sexta-feira, 11 de março de 2005

UM AMOR CATALÃO
Folhetim à moda clássica
DÉCIMO QUARTO EPISÓDIO
(A confissão intempestiva)

- Vamos lá, desembucha ! - repetiu Edmundo.
António voltou a sentar-se, olhou de novo para a janela do quarto e contou quase tudo em três tempos.

- O que se passou, pá, é que eu ganhei a lotaria. Não contei esta merda a ninguém, podes ter a certeza disso. Vais ser o único a saber. E espero que sejas mesmo o único a saber. Não contes, portanto, a ninguém. Segredo com segredo se paga. Devia-te isto, há muito tempo. Não me perguntes porquê, mas há coisas que um tipo deve estimar até ao fim da vida e, para mim, na sensaboria de vida que levava, lá na terra, só muito tarde é que percebi tudo o que significava, naquele tempo, a tua ruptura, a tua coragem e, em primeiro lugar, a tua fidelidade para comigo. São pequenas grandes coisas que devem ser estimadas, não achas ?

- Eu concordo... e só agradeço. Nem estava preparado, agora, para ouvir tais coisas, devo dizer-te. - António levantou-se, aproveitou a segunda grande pausa do verdadeiro conclave e continuou:

- Quando soube que estava rico, decidi desaparecer. Não dei grandes explicações, mas apenas os sinais que achei suficientes, lá em casa, e vim logo para Lisboa. É uma decisão minha. Acho, para dizer a verdade, que já criei os meus filhos, que a família é uma vaca sagrada, que os amigos do dia a dia são umas lapas, que os clubes e as paróquias são as mamas estéreis do povo e que o emprego de funcionário público era, já há muito, a minha morte lenta. Por isso, decidi manter o anonimato e parti. E mais, decidi que vou ficar aqui a viver, no hotel, enquanto tiver dinheiro, e já se sabe, deito-me às horas que quero, como às horas que quero, durmo com quem quero, faço a dieta que quero, faço o horário que quero, bebo e sonho com o que me apetecer e... mais nada. Até ao fim da minha vida vai ser assim: viva a liberdade ! - António Romeu pousou o copo, encostou-se ao vão da imensa vidraça e deu largas a um desmedido sorriso, de orelha a orelha, folgazão, mordaz, jubiloso, inesperado.

- Quer dizer que nunca mais vais... regressar ao Ribatejo ?


(No próximo episódio, António Romeu continuará a contar a sua própria e inusitada história. Edmundo ouve tudo e, depois, há-de ainda olhar o Tejo que, de cor da tinta da China, se abre para além das docas…)

Continua
*
(publicação da versão Inglesa no blogue Minion)