segunda-feira, 7 de março de 2005

UM AMOR CATALÃO
Folhetim à moda clássica
DÉCIMO EPISÓDIO
(O humor e o drama na memória de Edmundo)

Estava cansado do impasse a que a minha vida tinha chegado e estava sem grande esperança e alento, no momento preciso em que decidi pedir a licença militar e a renovação do passaporte, para além da demorada passagem de segunda via da cédula pessoal e do bilhete de identidade.
Quando reuni toda a documentação, meti-me no escort que era novo e dirigi-me para a Costa Brava. Precisava desanuviar e, em primeiro lugar, escapar ao cemitério nacional. Foram três dias de longa viagem até à praia de L´Escala.

Para além do mais, tinha visto finar-se, bem dentro de casa e na própria pele, um daqueles casamentos do antigamente; daqueles cuja unção divina aspirava a um compromisso de eternidade, e de que o exemplo-mor e mítico era e é o matrimónio de Pedro e Inês que, em Alcobaça, se irão ainda levantar, um dia, um diante do outro, no fim dos tempos, quando o advento radioso do paraíso e dos seus mil limbos forem revelados por Deus Nosso Senhor.
Sem mais nem menos, naquele tempo de D. Salazar e Tomásio, ainda antes da fase do homem da regisconta, via-me eu, um cândido e tradicional dono de duas tipografias, condenado ao ultraje de um divórcio contra todas as santas leis e, como se não bastasse, poucos haviam sido os amigos, para além do António Romeu, que me entenderam a disjunção e sobretudo a fúria.
Depois de ver fugir das minhas hostes a Dª. Filipa para a casa do tio que era Bispo em Viseu, fugi definitivamente do Restelo e dei entrada no Bairro Alto dos mil amores, onde acabei por encontrar outra vida, outros prazeres e outros fadários já não a rimar com Tomásios.
Bons tempos de fandangos nocturnos, esses. Foi a minha segunda juventude. E mal eu sabia que muitas outras me esperavam.

Passou esse minúsculo décimo de segundo e eu ainda a dizer, entre dentes, para mim próprio, que estava cansado e sem grandes esperanças. E que seria miragem pensar noutros voos ou tentações.
Seria mesmo?



(No próximo episódio, Edmundo admitirá finalmente que existem novos sinais. Algo poderá estar prestes a mudar. Albe, na sua frente, parecer-lhe-á, cada vez mais, uma estrela a brilhar, um amor talvez possível, uma entrega inevitável mas ainda distante. E que medos o perseguiriam ao mesmo tempo?)

Continua
*
(publicação simultânea da versão matricial em Inglês no blogue Minion)