terça-feira, 1 de março de 2005

UM AMOR CATALÃO
Folhetim à moda clássica
QUARTO EPISÓDIO
(Um estranho encontro)
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António Romeu foi o maior amigo de infância de Edmundo e, precisamente vinte e um anos depois do radioso Verão da Costa Brava, a 13 de Agosto de 1989, decidiu transformar a sua vida numa verdadeira obra de arte.
A história começa no dia em que ganhou a lotaria especial de Verão. António manteve o anonimato e, sem grandes explicações, deixou a fobia da indústria das madeiras, abandonou a casa, a mulher e os filhos, virou costas ao café, à bola, ao bairro e a toda a rotina acumulada, durante anos e anos a fio.
Pela primeira vez na vida, António deixava a terra, assentava arraiais em Lisboa e, para que não perdesse pitada da vista da sua nova urbe, decidiu mesmo instalar-se, e em boa companhia, já se vê, numa suite panorâmica do Penta.
No próprio dia 13, António telefonou a Edmundo.
O encontro do boquiaberto coleccionador de tipografias com o velho amigo das embarcações de papel a deslizarem ao longo do rio, açude atrás de açude, como se fossem para a foz de um mundo perfeito, onde as cidades deviam ser de vidro e os aviões meros pássaros que acoplavam no parapeito aberto das janelas; o encontro de Edmundo com António agora com a realíssima Lisboa a seus pés e, pelo meio, com a imensa e infantil cumplicidade feita de moinhos de lama seca, bonecos de cartolina e jornais laborados com a prata dos maços de tabaco; o encontro entre os velhos amigos, insista-se, num dia de sol a rever outros gloriosos, acabaria por se selar com um inesperado e longo abraço; o anfitrião a pedir calma e a garantir a exclusividade do grande mistério da vida, ou do magno segredo, e dizia-o com o whisky a tremeluzir entre as pedras de gelo pontiagudas e os gestos a sublevarem a luz transversal que se abatia no soalho; e do outro lado, dir-se-ia contrafeito e imóvel, era Edmundo a tentar entender a euforia, a surpresa, o encanto, o nada que restaria a tanta evidência de pasmar.
E que teria Romeu para contar?
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(No próximo episódio, confidenciam-se passados. Reveladoramente. Romeu contará o inexplicável. E Edmundo abrirá o coração e revelará muitas das coisas que se passaram, na Catalunha, naquele longínquo e singular ano de 1968)
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Continua
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(publicação simultânea da versão matricial em Inglês no blogue Minion)