segunda-feira, 14 de março de 2005

Gil e Mourinho: os dois portugais

Penso que a relação José Gil - Mourinho, uma relação metaforicamente best seller, mereceria uns tantos comentários (e talvez até mais do que isso).
O que em Gil é sol, em Mourinho é lua: no primeiro há constatação do medo ("indeterminação da vontade", "vulnerabilidade", etc.), enquanto que no segundo há uma espécie de determinação virtual (na medida em que contribui para transformar demasiadas potencialidades em crença. Só que, após o vórtice, semeia desacertos e desgraças).
Gil mostra-se muito sereno e confessa a cadência do fado alheio que é também o seu (o chamado "familiarismo do mundo português" ou a burocracia lusa como "aparência de acção"), enquanto Mourinho atira para o ar palavras de ordem em fogo, desfere golpes em várias direcções, mobiliza mundos sob a forma de um agir muito real e acaba inevitavelmente por gerar proximidades entre infernos e afinidades.
Gil cria à sua volta o fascínio que resulta da atracção voluntária (os portugueses compram o seu livro para saber quem são, para saber se têm medo do escuro, para saber se estão certos de si), enquanto Mourinho prefere criar um tipo de fascínio fantasmático e intempestivo que vive da ideia de um abismo sem rede por baixo.
Gil não vale tanto pela consequência dos seus actos, mas sobretudo pela explicação cristalina da normalização lusitana (a tensão entre o "pólo disciplinar" e o "pólo do controlo", etc.), enquanto Mourinho vale sobretudo pela dimensão pragmática que pode ser testada: resultados, vitórias e transformação do "jogo" numa quase asserção.
(a continuar... como nos folhetins)