segunda-feira, 14 de fevereiro de 2005

Mitologia dos brandos abalos



O país tornou-se subitamente numa menina frágil e susceptível, dessas pré-rafaelitas pintadas por Rossetti. Qualquer evento, qualquer estrela cadente, qualquer aceno mais discreto parece logo gerar uma volta ao mundo, uma ofensa, uma praga ou um pasmo desnecessários. Decreta-se um luto sem sentido. Os partidos suspendem ou moderam campanhas. A respeitabilidade torna-se num elefante agitado e ruidoso dentro da cristaleira. A demagogia apressa-se a envenenar a seriedade, enquanto os reizinhos ficam subitamente nus, sem tanga, sem fio dental, sem nada. Diante de todos. E os iluminados que quereriam convocar a questão religiosa, hoje, em Portugal, acabam por mostrar-se tão ridículos como aqueles que impusessem, à força, a discusão pública acerca das diferenças entre Gungunhana e Zurara. Uma farsa. Tristeza. Pensam que é assim que ganham votos?
A democracia precisava, neste momento, de um pouco mais de dignidade. E a ética, qualquer ética, mesmo a do luto, só poderá advir de dentro de cada um. Jamais de fora, de forma pesada, falsa, alarmada e pretensamente institucional. Haja juízo.