quinta-feira, 3 de fevereiro de 2005

Jogo - 5 (mostrar a vida privada?)

Deus, enquanto foi Deus, foi-o porque não se “mostrava”.
“Mostravam-se”, sim, as suas consequências. As suas marcas. As suas linguagens (cujos alfabetos se espraiavam na natureza ou na sintaxe histórica, pelo menos a partir do epicentro das religiões ditas “axiais”, ou do “Livro”, ou crentes numa dada escatologia).
Na Ética de Bento de Espinosa, pensamento e realidade do ser provêm de uma única substância. Contudo, a “natureza naturante” (ou Deus) é a única realidade substantiva, enquanto que “a natureza naturada” seria entendida como desprovida de substantividade, dispondo de existência meramente “modal”, isto é, ao nível das manifestações que adviriam da produtividade una e divina.
Nesta medida, a realidade seria única, eterna e imutável, embora no plano do acontecer transitório fosse efémera.
Pode esboçar-se uma certa alegoria contemporânea, na relação entre privado e público que, se aproxima desta mecânica espinosista.
O que se "mostra" neste último tem origem ao nível das manifestações que estão diante dos nossos olhos todos os dias.
O que se "mostra" naquele outro, no privado, é um misto de coisas onde há um fundo insondável de “natureza naturante”, mas também fragmentos ou imagens processadas pela “natureza naturada”.
Não há, pois, uma forma exacta e possível para “mostrar” o privado, porque não cabe, porque não se adequa, porque é ambígua a substância ou a natureza a que realmente pertence.
Seria mais fácil um mundo onde taxativa e drasticamente o público e o privado se separassem. Fronteiras rígidas. Mas isso não acontece.
Mais uma vez: trata-se de um dado, de um facto.
Tal como a existência de nuvens incertas em dia de muita chuva.