segunda-feira, 10 de janeiro de 2005

Securitat

Ontem andei o dia meio engripado e pude ver televisão, à noite, com aquela tranquilidade que esquece o stress mais pesado. Daí que a passagem pelo Arte me desse a ver a reconstituição ficcional do único assalto ao banco estatal que terá ocorrido na Roménia, no tempo da outra senhora. A coisa passava-se em 1955. Depois de as autoridades descobrirem os bandidos - todos judeus e recentemente saneados de alguns serviços de estado - decidiram realizar o filme, sem que houvesse algum precedente nesse sentido. O ministro da tutela acabou por autorizar, desde que os serviços secretos providenciassem a máxima discrição possível. Mais: os assaltantes deviam ser os próprios actores.
É evidente que o mais patético foi ver no filme os próprios "bandidos", nos seus respectivos papéis de stars meio amedrontados, a confessar o que haviam pretensamente feito, antes mesmo de serem julgados (na realidade). Claro que, algum tempo depois do filme, um Tribunal Militar Especial fez o que tinha a fazer: foi tudo condenado à morte, sem apelo nem agravo, excepto a única mulher que, no caso, era dada como alegada cúmplice: essa, "por ser mãe", foi enviada para "trabalhos forçados" até ao fim da vida ("perpétuos").
No final, veio a saber-se que os acontecimentos, todos eles de facto reais, haviam sido parte de uma campanha anti-judaica, no momento em que a política de forçada emigração dos judeus para Israel se tornava mais do que desejada (e foi-o na prática), embora não devesse dar demasiado nas vistas. O mesmo se passou na Polónia, na altura.
O filme ilustra ainda - com uma fotogenia assustadora -, sobretudo na abordagem à perseguição e aos interrogatórios, o canibalismo político e a hipocrisia mais violenta e verdadeiramente sanguinária destes regimes do "homem novo" - expressão corrente noutros filmes romenos da época - que ainda hoje meio mundo silencia.
Porquê?