sábado, 11 de dezembro de 2004

Rir a ler, rir e escrever

O exagero embala sempre a expressão, confere-lhe um barroco repousante de onde acaba por extrair-se o minério retórico e as camadas associativas mais hilariantes que a linguagem, felizmente, não teme. Um acontecimento existe, entre outras coisas, para ser metamorfoseado pela experiência do leitor, mas, no caso de o acontecimento ser um acontecimento da linguagem - uma locução que choca em cadeia com os níveis da ilocução e da perlocução -, a verdade é que esse acto de metamorfose se torna, quase sempre, num desdobrar irreal que culmina no riso.
Até porque o riso não decorre apenas da surpresa, da quebra de suspense ou da revisitação de uma origem intocável. O riso é sobretudo um produto pouco amadurecido da conotação. É como um fruto que ainda não está pronto a ser mastigado, mas já alegra exuberantemente a minúscula árvore que jamais viu na sua frente a Primavera. Está a mais no contexto, está deslocado no seu palco. Está desconforme no seu papel. Mas não deixou, lá por isso, de ser conotado. Mas não deixou, lá por isso, de ser parte da metamorfose. Nas não deixou, lá por isso, de integrar o vultuoso mapa de figuras que o exagero fez nascer e crescer.
Tudo isto, porque não há melhor do que a hipérbole para exprimir o essencial. Precisamente, porque o essencial contrasta vivamente em cena com todos os outros pares que a metamorfose (ou a conotação) espalhou pelo palco. O exagero pode, pois, ser um espectáculo. Um insondável e mínimo momento em que a clareza e a silenciosa gargalhada se identificam. Um ínfimo aceno grotesco que, ao fim e ao cabo, assiste e é cúmplice do mais nítido entendimento.