terça-feira, 19 de outubro de 2004

Inventor (act.)

Manuel: fico tocado pelo modo perspicaz, hábil e decidido com que abordou o meu último romance. Em toda a escrita ficcional, existe sempre uma densa acumulação de factos e, apesar de a indução narrativa nos conduzir quase sempre a uma espécie de desejo de clímax (é uma apetência cultural), a verdade é que o aspecto plástico, conotativo e descritivo nos encaminha para um cruzamento de caminhos onde descobrimos amiúde a nossa alma de nómadas. Para os nómadas, o clímax não é um factor importante, pois o espírito de travessia garante-lhes a narração quotidiana onde afinal vivem e se revêem (a escatologia só é descoberta pelos judeus quando se sedentarizam). Na minha escrita, há um apelo que advém, quem sabe, desse fascínio pelas rotas ancestrais e pelas incessantes travessias e passagens do mundo (e sobretudo entre mundos). Daí a justa conclusão de que pululam, de facto, vários romances num único romance. Daí a interrogação genérica e a dificuldade em rotular que, em todos os meus romances, emerge. É assim para quem lê e igualmente para mim, agora também leitor de uma escrita que já foi só minha.