quarta-feira, 18 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata - 37


(Parlourmaid at a window in Kensington, Bill Brandt, ca. 1936)

A tenacidade faz o gesto. E por assim ser, arrasta consigo o invisível vagar das trepadeiras, a demora da terra e o próprio sentido que se desprende da iniquidade da espera. Seja como for, é tão enigmático este convívio entre o corpo que avança em direcção aos vidros e o inexplicável volume do tempo que o suspende. Inesperado pacto que deve o seu brilho ao atrito e ao esforço que parece querer interromper a viçosa assimetria das formas. E as janelas assistem impávidas ao prolongado sortilégio com que o mundo se divide em habilidade e quietude. A pouco e pouco, o gesto avança, as cortinas repousam e as madeiras entreabrem-se diante do fio de prumo ludibriado pela força das heras. Fonte de vida. Nada sei do rosto que preside a tal expiação. Mas sei que da sua penumbra brotam os mais antigos combates da natureza. Foi preciso livrar o ser, o quadro e o campo a este ínfimo instante para o relembrar. Cada um de nós é o abismado rosto da mulher de Kensington.