segunda-feira, 16 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata - 34


(Georgia O'Keeffe, Alfred Stieglitz ,1921)

O eclipse é a metáfora do rosto: de qualquer lado que se aviste, não é difícil entender a ocultação da cena. E o falso embuste reside no emaranhado com que o visível se enleia ao que permanece suspenso. A contiguidade abre sempre caminho àquilo que não se vê, mas cuja presença é tão forte e nítida como da casa o é o quintal, a rua, os passeios ou toda a cidade. Neste retrato, há milhares de outros retratos a envolverem a florescente crispação de membros, tendões, veios, músculos, filamentos, ossos e órgãos. Nada nele é imediato ou está dito. Este retrato é, por isso mesmo, o próprio eclipse em flor, ou a travessia da pele por vincos, dobras e pregas. Nele vemos o corpo sem alicerces e o rosto sem lugar prévio, como se estivesse disposto em coroa e desenhado sem finalidade. A própria Georgia O'Keeffe o disse em vida, nove anos após esta fotografia: "I see no reason for painting anything that can be put into any other form as well". E o eclipse diz a mesma história que é a de todos os eclipses e rostos que acenam em mil direcções, mas di-lo por acontecer apenas ali, daquela forma, naquela luz e com aquele olhar ausente e tão excessivamente presente.