sábado, 14 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata - 23


(Blessed Art Thou among Women, Gertrude Käsebier, 1899)

Chegou a hora de pisar o ar ainda vagaroso onde a voz dos monstros e dos fantasmas se confunde com a voz das pitonisas e das fadas. Trata-se sempre de descobrir o mote e, depois, de percorrer a via iniciática ladeando quer o que se vê, quer aquilo que o mote já havia sentenciado. Às vezes, surgem fadas no corredor abraçadas aos pés dos móveis carnudos que imitam patas de javali e ressoam, durante as noites de temporal, com a voz roufenha dos monstros que saem do lago gelado da mansão. Outras vezes, a mãe Agnes e a pequena Peggy vêem os olhos a transfigurar-se e em vez das suas cândidas falas vitorianas aparece-lhes uma voz medonha e aguda que é o sinal da pitonisa voadora a sobrevoar com asas de Delfos a mesma mansão ensombrada. A morte andaria por perto, é verdade, mas, neste dia claro, a mãe Agnes preparou o caminho como se adivinhasse a glória da futura debutante e a pequena Peggy, contraída e retida no seu vulcão de seda pura, parece tão-só iniciar o caminho. O fadário. Mas fá-lo como se o universo estivesse a conspirar, a flagelar ou a tecer a mais perigosa das flores. Baudelaire soube-o como ninguém.