quinta-feira, 12 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata - 11


(Camelos numa rua de Bujara, Yuri Eremin, 1928)

No seu tempo, al-Maturidí passeou de camelo entre esta poeira de seda e de peste, mas sempre a interrogar como é que o actos humanos podiam viver por si, apesar da inquestionável potência divina. Não deve ter chegado a grandes conclusões, apesar da vastíssima obra que deixou (como por exemplo o Kitâb al-Tawhíd) e que no Ocidente pouco se leu. Não era um Mu´tazilita ao jeito meio herege e panteísta que, no século IX de Bássora, prefigurou o nosso Espinosa, mas tentou encontrar o seu caminho próprio entre o tradicionalismo Hanifista e o radicalismo dos Falasífa, esses mais interessados em compatibilizar as leituras de Aristóteles com a revelação do “Recitado”, ou seja do Qurân. Al-Maturidí era natural da rival Samarcanda, mas veio amiúde a estas abóbadas de feno, barro e silêncio. Conhecia as rotas cosmopolitas, as pegadas nocturnas, as aguadas da estepe, as constelações errantes, os arcos em onda, a neve sem fim e a brutal transfiguração dos nómadas que viajavam constantemente entre a China e o Mediterrâneo. Sinto saudades imprecisas dos serões que com ele não passei, nem passarei. E é esse tipo de saudade que melhor define a paixão e o excesso que se esmiuçam numa fotografia com esta.