quinta-feira, 22 de julho de 2004

Divertimentos - 4

Ainda me lembro de uma frase de U. Eco publicada na Viagem na Irrealidade Quotidiana: “Enquanto o cómico é a percepção do oposto, o humorismo é o seu sentimento”. E hoje este breve registo tem andado a perseguir-me. A iconologia televisiva nacional é, nesta altura fogosa, mais do que suficiente para que a frase se vá actualizando quase involuntariamente. Minuto a minuto. Eis alguns dos últimos episódios:
 

 
a) O pai Soares acerca do filho Soares em directo para a SIC - Notícias: “(…) pelo menos tem um discurso estruturado com princípio, meio e fim”. Sem comentários.
b) Alfredo Barroso acerca de João Soares, na mesma circunstância: “Não estou aqui por ser primo dele”. Sem comentários.
c) Manuel Alegre, em súbita conferência de Imprensa: “Candidato-me a secretário-geral, mas não necessariamente a primeiro-ministro” (não era essa a já muito antiga tese de Santana Lopes?)
d) O presidente do Parlamento Europeu, mais ou menos estupefacto, no momento em que tão-só desejava anunciar o resultado da votação, enquanto o já conhecido eleito permanecia ausente: espera-se quase uma “eternidade” anunciada (e há ternos sorrisos no duplo hemiciclo).
e) Em S. Bento, entretanto, cronometrado com os ares globais, Santana Lopes aparece espargido em gel, óculos semi-ovais, gravata alvíssima, pose espontânea e tom altivo de comentador de áreas retóricas emergentes. E profere com abismada solenidade: A eleição de Durão Barroso prova que “Portugal é um país credível”.
E é preciso dizê-lo para se acreditar? Se não fosse, a credibilidade teria outras vestes, outras verves e outras vozes. Seguramente. Eis como o oposto surge sempre a navegar na bainha inquieta das palavras e no centro das mais cândidas posturas. É, afinal, o cómico a pairar sob a forma de insecto invisível, mas mordaz. E o sentimento de riso que transborda de tais cenários não é outro senão o de um estremado e, afinal, contido humor. Eis no que havia de dar ao nosso país, após a meta do Euro-2004 e do anterior epifenómeno casapiano!
Ele há realmente com cada assombro!
E ainda a Galeria dos Divertimentos Em Curso (G.D.E.C.) vai no adro!