quinta-feira, 13 de maio de 2004

O embuste

Ninguém em Portugal iria afirmar que a lusofonia é um embuste. Pudor, paternalismo, assimetria de culpas mal repartidas, auto-imagem desfocada, tudo se converte em razão plausível para que uma tal heresia nem possa ser sequer pensada.
Mas a verdade é que a lusofonia é realmente ignorada pela vasta maioria dos habitantes dos países que refere.
Em Portugal, a lusofonia atravessa em boa parte o âmbito de um instituto do estado (o Instituto Camões), cuja natureza, infelizmente, tem sido a da quase perpétua crise, apesar dos vários governos e boas vontades que o têm gerido e dirigido. Para além do esforço do Camões e da proto-imaginária UCCLA, a lusofonia é sobretudo, goste-se ou não, assunto de bolsas e viagens pagas a uns tantos “criadores”. Músicos, escritores, interessados e professores universitários de áreas dessa criação generosa (muitos deles com excelsas intenções e produção respeitável, não é isso que está em causa). Acrescente-se à mansão do pressuposto lusófono alguns entusiastas nos média lusitanos e um número razoável de empatias nas antecâmaras dos países africanos sempre dispostas a avançar para comemorações exaltadas, para evocações inflamadas e para partilhas fictícias de uma história comum, no fundo, no fundo, muito menos desejada do que ficcionalizada (não é menos verdade que a persistente mentira histórica - caso da história judaica portuguesa - convive às mil maravilhas com a instrumentalização do passado ao serviço de algum politicamente correcto do presente).
Por que haverá, de facto, tanto pudor na abordagem deste tema, cujos resultados e obras práticas resvalam o nulo dificilmente igualável em terras de pouco eficácia?
Não se creia que este meu post revele menor simpatia e mesmo admiração pelo grande Brasil ou pelos países africanos que foram Portugal até à Revolução. O que eu viso, essencialmente, é o carácter amorfo, inofensivo, impotente e inadequado das instituições que emprestam visibilidade ao conceito de lusofonia. O que eu viso é o contraste entre a redoma mínima de entusiasmos reais pela lusofonia e a indiferença de facto que me parece, senão generalizada, pelo menos tremendamente dominante. E porque não me apetece ser platónico, devo confessar, em jeito de conclusão, que a lusofonia, sem armadura real e fática que se veja, conceptual ou prática, não passa de um dos maiores embustes que vagueia, hoje em dia, na ficcionalidade portuguesa.