segunda-feira, 17 de maio de 2004

Absurdos e cegueiras

Carlos Vale Ferraz: o que faz alguém afirmar uma coisa destas?

“Tendo este terrorismo como causa as causas de todas as guerras ele é, e não passa disso, uma modalidade de acção de uma batalha. Como modalidade de combate é tão legítima como todas as outras.”

Como se a auto-invenção do Ocidente dos últimos duzentos anos (pluralidade, democracia, abertura, responsabilidade individual, civilidade) e os mundos teocráticos, fechados, ditactoriais e a-racionais se pudessem colocar num mesmo plano.
Ou seja, poder-se-á colocar no mesmo baú as guerras religiosas do século XIV, a Guerra da Crimeia, a Segunda Grande Guerra Mundial e a actual guerra global que põe em cena o Ocidente e o novo tipo de hiperterrorismo pós-09/11? (ler, a propósito, um óptimo artigo de Fernando Ilharco no Público de hoje).
É normal que quem pratique um acto o legitime. Quem pratica o hiperterrorismo, legitima-o, naturalmente. Mas deverá o Ocidente legitimar aquilo que é o oposto da essência da sua própria história, abertura e aprendizagem?
Talvez seja esta a pedra de toque - legitimar ou não o que é uma operação terrorista da morte pela morte (encenada, mundializada, massiva e desligada de qualquer sociabilidade) - por que venha a passar, nos próximos anos, aquilo que dantes era o biombo às vezes esquemático que separava esquerdas e direitas. Eu já sei há muito de que lado estou nesta leva da nossa contemporaneidade hipertecnológica: uma espécie de ponte entre aquilo que foi o desígnio galopante da modernidade e um Ainda Não, todo ele enigmático, ao mesmo tempo potencial e rico, quanto globalmente tribalizado e perigoso.