sábado, 13 de dezembro de 2003

Razões de ser

Uma coisa é a acção outra coisa é o que se diz acerca dessa acção. Neste ABC filosófico, José Pacheco Pereira e Pedro Santana Lopes ocupam posições antagónicas: o primeiro pensa que a acção governativa é que interessa, o segundo pensa que o que se comunica acerca dessa acção é que interessa. Mas este problema - que é um problema da era dos fluxos comunicacionais - aparece hoje igualmente reflectido na cândida esfera da ciência. Diz Martin Rees, em entrevista ao Público de hoje, que se admira com a publicidade dada a João Magueijo, já que "ele é apenas uma das muitas pessoas que estão a trabalhar nisso" (i.e., na área da velocidade da luz).
É como se fosse um pecado agir e não divulgar, ou, na inversa, apenas divulgar e não agir.
É como se houvesse um desacerto inevitável entre ambas as esferas, a do agir e a das linguagens.
O que liga ambas é uma antiga ansiedade que, hoje em dia, nas condições de celeridade e instantaneidade tecnológica em que vivemos, tende a tornar-se patológica. Porque ambas têm a tendência perversa de vir um dia a misturar-se. O discurso do futuro pautar-se-á, possivelmente, nesta medida, por uma fusão singular entre realidade e ficção.
E nessa altura o que Santana, Pacheco e Rees hoje afirmam deixará de ter qualquer razão de ser.