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quinta-feira, 4 de março de 2010

O futebol e a nação das quinas

Quando era criança, era comum ler ou ouvir dizer "Tudo pela Nação". O pregão era levado muito a sério. O que eu, na altura, não sabia é que o conceito - de Nação - vinha do século XVIII e tinha traduzido, de início, a alma vivida por uma comunidade e reflectida na língua, nas tradições e sobretudo numa espécie de voz partilhada de modo quase místico. Certos apaniguados de Salazar, ele nem tanto, adoravam encenar um certo misticismo milenar. Como se Portugal fosse a esperança do mundo.

Na segunda metade do século XX a cultura foi-se emancipando da era das civilizações e a Nação foi sendo silenciada ou referida com novos sentidos bem mais prosaicos. O 25 de Abril redescobriu por cá a República - porventura de modo excessivo, quando o que necessitámos era de democracia e liberdade - e quase remeteu a Nação (bem menos o atributo "nacional") a epíteto reaccionário. Recentemente, o ciclone global gerou novas tensões e a Nação, já tão desmobilizada e desacreditada, passou a reaparecer em actividades que simulam a épica sem o ser. É o caso do futebol.

A nossa senhora de Scolari e a euforia verde e vermelha de 2004 corresponderam a um novo tipo de Nação: um frémito colectivo sem grandes precedentes, ou tão-só uma espécie de uníssono expressionista pronto a ser galvanizado pelos fantasmas da bola. Pouco depois do 11 de Setembro, acreditou-se, de facto, em terras lusitanas, na Renascença de Scolari e na sua novíssima Nação como alternativas possíveis ao desaire (o pântano guterrista, a Casa Pia, a fuga de Durão, a epifania Santana Lopes, os eufemismos da justiça e os muitos casos Sócrates). O fenómeno floresceu até acabar, como tudo na vida, por esvaziar.

O jogo de ontem contra a China foi a grande prova disso mesmo. O público deleitou-se a assobiar a "Nação das Quinas", enquanto ia gritando "Olés" aos tímidos avanços da grande fábrica do mundo. Ainda por cima com duas grandes penalidades que ficaram por marcar. O carisma salvífico de Queiroz, mais propício a lances de aeroporto do que a ecos proféticos à Frederico Barbarossa, dissolveu-se no frio coimbrão. E nesse esvair dos heróis, a bola parecia um meteorito perdido e sem direcção. Um verdadeiro peso.

Confesso que raramente vibrei com a selecção "nacional". Talvez por isso tenha achado graça, ontem, à Questão Coimbrã.

(hoje no Expresso)