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sexta-feira, 27 de julho de 2007

Escavações Contemporâneas - 42


LC
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O sorriso do arquivo no tempo da rede
(hoje: Paulo Tunhas)
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Köhlin e nós*
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Os recentes acontecimentos na Silésia Oriental espantaram todo o mundo. Von Breuklin declarou-se «chocado e surpreendido». Aparentemente, bastaria às autoridades levantarem um dedo e nenhum dos trágicos eventos teria visto a luz do dia. Mas é verdade que os piores sentimentos, nacionais e trans-nacionais, germinavam há já bastante tempo por aquelas paragens. Mary Woodsworth, no Listener, tinha chamado a atenção para o facto num artigo preclaro datado de Maio passado: «Sente-se a crispação nas faces e a pesada herança de tradições seculares. As refeições nas casas dos mineiros são totalmente ocupadas na discussão do futuro. As perspectivas apresentam-se geralmente sombrias. Os mais velhos, como se tudo por eles tivesse sido previsto, limitam-se a grunhir qualquer coisa enquanto enfiam a cara no prato cheio de schnakplötz, a especialidade da região. As mulheres não falam, apenas sorriem, como que a pedir desculpa. É de recear o pior».
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E o pior aconteceu. Os noventa tanques blindados passearam-se pelas artérias da cidade impunemente. As escolas fecharam. Contam os jornais que as ruas subitamente se tomaram desertas. Ellen Schnakplötz, enfermeira no hospital principal, ainda hoje um belo edifício, diz que não faz ideia, desde há duas semanas, onde o pai e o irmão se encontram. O mesmo poderiam dizer, sem dúvida, centenas de outras mulheres da região. Com o seu metro e 89 centímetros, Ellen Schnakplötz, apesar de tudo, parece calma. Ri-se mesmo muitas vezes, e o seu riso transmite algum conforto ao pequeno quarto onde vive desde há dois anos. Por causa do actual estado das coisas, não há água na casa. Ellen não se queixa. Graceja com toda a situação. «Os nossos avós passaram por pior e sobreviveram», foi a coisa mais próxima de um queixume que ouvi daquela boca.
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O principal inspirador destas movimentações é o hoje internacionalmente esquecido Richard de Coudray-Spekov, um aristocrata que, entre 1913 e 1917, data do seu precoce falecimento, escreveu uma série de artigos fogosos e veementes no ainda hoje existente Köhliner Zeit. O último acabava justamente com este pungente apelo: «Será possível que, passados tantos anos, a nossa própria identidade nos permaneça desconhecida? Será possível que o sangue dos nossos pais e as lágrimas das nossas mães corram pelos belos rios da nossa terra em vão, sem que quem neles mergulhe ou beba das suas cristalinas águas sinta um arrepio ancestral que tinja a sua alma com as cores do amor? Será possível que tudo permaneça envolto num denso manto de esquecimento? Não! A vida não merece a pena ser vivida assim, e eu não acredito que no peito dos meus generosos concidadãos os apelos ancestrais não hajam sobrevivido. Unamo-nos então como que juntos num mesmo corpo; que cada um faça da mão do seu vizinho a sua própria mão e do coração de todas as outras famílias o seu próprio coração. E não confundamos, sobretudo, a tibieza e o perdão!»
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Apesar do incidental comentário de Chamberlain quando, em 1938, no caminho para Munique, passou por Köhlin — «Köhlin does not exist!» —, Köhlin existe. E as palavras de Richard de Coudray-Spekov renasceram para os seus habitantes, 73 anos passados sobre o seu trágico e misterioso fim. A história da humanidade está cheia desses pensamentos que se escondem e revelam ciclicamente, perturbadores e íntimos às memórias colectivas. Por isso não é de estranhar que Ferdinand-Auguste L’Échineur possa comentar o caso nestes termos: «Os grandes catalizadores implodem. Não basta convencer, não basta gerir, é preciso também justificar. Sem esta terceira vertente não há discurso político eficaz. Os poderes que julgavam que a Köhlin bastava o seu schnakplötz enganaram-se tragicamente. A memória pode mais que o parco salário da razão e as úberes terras da identidade prometem a paixão».
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E agora? Agora há as histórias das pessoas simples, do homem comum que tanto convém lembrar sem pretender preteri-lo em benefício de fantasias quiméricas de individualidades dúbias cheias de falsos problemas e permanentemente alimentadas por reflexões pretensamente morais que, de resto, não seguem. A história de Köhlin é um hino ao homem comum, lutando contra as adversidades e reconquistando a sua identidade. Ao homem comum que é capaz de esquecer o seu prato de schnakplötz e elevar-se para os céus, oferecendo a camisa ao seu irmão, mesmo que este já tenha três vestidas. Não esqueçam Köhlin. No desmoronar dos grandes catalizadores, é de lá que nos pode vir algum consolo. E a cerveja é excelente, de facto.
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*O Primeiro de Janeiro, 8 de Julho de 1990
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Segundas - João Pereira Coutinho
Terças - Fernando Ilharco
Quartas - Viriato Soromenho Marques
Sextas - Paulo Tunhas
Sábados – António Quadros (António M. Ferro, Org.)