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Tiago Rebelo, O Tempo dos Amores Perfeitos, Editorial Presença, Lisboa, Dezembro, 2006, 420 pp.
Saída a público: 05/12/2006.
Saída a público: 05/12/2006.
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Pré-Publicação:
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A corveta de três mastros adornou assustadoramente para bombordo com a força do vento a enfunar as velas. Em seguida mergulhou a pique, como que deslizando por uma rampa com a proa apontada à vaga que crescia à sua frente, e atravessou a parede de água, quebrando-a num choque violento e tornando a erguer-se enquanto uma enorme massa de água galgava a proa, correndo pelo convés com uma força imparável e voltando a escoar-se para o mar pelos embornais. Era um navio sólido, a corveta mista Afonso de Albuquerque, de sessenta e dois metros, e chegava a fazer 13,3 nós, velocidade que estava longe de conseguir atingir naquela tarde de mar encapelado e ventos furiosos. Tinha largado do porto de Lisboa havia quatro dias, sempre com mau tempo. O seu destino era Luanda, onde, por ordem do Comando da Divisão Naval, iria reforçar a frota nacional naquele território africano.
Ao quarto dia a tempestade ganhou maior ímpeto. O duelo desigual da Afonso de Albuquerque com as forças da natureza prolongou‑se desde as primeiras horas da madrugada até ao entardecer. O baloiçar impiedoso do navio já fizera os seus estragos entre os passageiros menos habituados ao alvoroço dos estômagos massacrados. Contudo, ao cair da noite, a ondulação foi misericordiosamente acalmando, o vento amainou e o tecto de nuvens baixas e negras rompeu-se para dar lugar a uma lua cheia deslumbrante que espelhou o seu brilho prateado na superfície do oceano Atlântico. Parecia milagre, eram os meados de Março, os derradeiros dias do Inverno no hemisfério norte, e o clima tempestuoso ainda não poupara o navio, particularmente nestas últimas horas.
Debruçado sobre o mar, com os cotovelos apoiados na amurada, o tenente Carlos Montanha aproveitou aquela trégua improvável dos elementos para gozar um pouco o ar puro da noite e fumar, enquanto se espantava com a beleza da paisagem: uma imensidão de água surpreendentemente apaziguada e de aspecto inofensivo que havia apenas umas escassas horas se enfurecia, agigantando-se em vagas sucessivas, de vários metros, que pareciam querer engolir a corveta. Agora o mesmo oceano, há pouco indomável, transformara-se num mar chão iluminado por um luar de cortar a respiração. Por um instante, Carlos Montanha sentiu-se desconcertado com os caprichos meteorológicos. Levantou a cabeça e deitou para o ar húmido da noite o fumo do cigarro, esvaziando os pulmões com um suspiro. Mas a sua mente estava ocupada com outros pensamentos mais longínquos. A corveta navegava ao largo da costa ocidental de África, tendo passado as Canárias, e o tenente do exército português tentava imaginar como seria o seu futuro próximo, consciente de que ia a caminho da maior aventura da sua vida.
Uma sombra silenciosa deslizou no convés e aproximou-se por detrás do tenente, levando-o por reflexo a girar nos calcanhares das botas regulares que usava com o uniforme caqui de campanha. Todavia, antes de conseguir ver alguém, ouviu uma voz de mulher.
— Boa noite, tenente."
Ao quarto dia a tempestade ganhou maior ímpeto. O duelo desigual da Afonso de Albuquerque com as forças da natureza prolongou‑se desde as primeiras horas da madrugada até ao entardecer. O baloiçar impiedoso do navio já fizera os seus estragos entre os passageiros menos habituados ao alvoroço dos estômagos massacrados. Contudo, ao cair da noite, a ondulação foi misericordiosamente acalmando, o vento amainou e o tecto de nuvens baixas e negras rompeu-se para dar lugar a uma lua cheia deslumbrante que espelhou o seu brilho prateado na superfície do oceano Atlântico. Parecia milagre, eram os meados de Março, os derradeiros dias do Inverno no hemisfério norte, e o clima tempestuoso ainda não poupara o navio, particularmente nestas últimas horas.
Debruçado sobre o mar, com os cotovelos apoiados na amurada, o tenente Carlos Montanha aproveitou aquela trégua improvável dos elementos para gozar um pouco o ar puro da noite e fumar, enquanto se espantava com a beleza da paisagem: uma imensidão de água surpreendentemente apaziguada e de aspecto inofensivo que havia apenas umas escassas horas se enfurecia, agigantando-se em vagas sucessivas, de vários metros, que pareciam querer engolir a corveta. Agora o mesmo oceano, há pouco indomável, transformara-se num mar chão iluminado por um luar de cortar a respiração. Por um instante, Carlos Montanha sentiu-se desconcertado com os caprichos meteorológicos. Levantou a cabeça e deitou para o ar húmido da noite o fumo do cigarro, esvaziando os pulmões com um suspiro. Mas a sua mente estava ocupada com outros pensamentos mais longínquos. A corveta navegava ao largo da costa ocidental de África, tendo passado as Canárias, e o tenente do exército português tentava imaginar como seria o seu futuro próximo, consciente de que ia a caminho da maior aventura da sua vida.
Uma sombra silenciosa deslizou no convés e aproximou-se por detrás do tenente, levando-o por reflexo a girar nos calcanhares das botas regulares que usava com o uniforme caqui de campanha. Todavia, antes de conseguir ver alguém, ouviu uma voz de mulher.
— Boa noite, tenente."
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