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quinta-feira, 17 de novembro de 2005

Cavaco Silva e o Abrupto

Estou de acordo com muito do que José Pacheco Pereira tem dito e escrito acerca da pré-campanha presidencial: de um lado, os “tribunícios” habituais e, do outro lado, Soares dissimulando tudo o que passou a ser no pós-11/09. Há ainda o enigma Alegre, cujo horizonte ficcional assenta na figura do ‘guerilheiro injustiçado’ à procura de um discurso e de um posicionamento claros. Por fim, aparece Cavaco, por quem JPP não esconde ilimitado e coerente apoio.
Hoje mesmo, sob o tema “Temas Presidenciais ( 3ª Série) - Uma Campanha Declarativa”, Pacheco Pereira avalia as razões que justificam a actual proeminência de Cavaco. Não concordo com esta ponderação concreta (e digo-o com a consciência de quem não se vai abster, embora com a certeza de que não irei votar em nenhum dos candidatos).
JPP começa por afirmar que Cavaco “parte com patamares de apoio” sem precedentes. Não creio que assim seja. De facto, Cavaco surge nesta pré-campanha tal como Soares e Sampaio surgiram no final dos respectivos primeiros mandatos: sem reais alternativas. Nos três casos, a criação acumulada de comunicação era - e é - mais do que suficiente para conter as máquinas de sinalização publicitária que fazem e enunciam as habituais campanhas. Seguidamente, JPP traduz a disponibilidade do eleitorado para a mensagem de Cavaco Silva em função de um “princípio de necessidade”. É verdade – e é tão óbvio quanto “exemplar” - que a necessidade de estabilidade pressupõe sempre a opção mais plausível (do mesmo modo que, para Kant, a necessidade de comprazimento pressupunha o belo). Ou seja, à falta de alternativas, a necessidade apenas acaba por aplicar o chamado princípio da ‘exclusão de partes’. E é exactamente por causa disso que toda a gente sabe que Cavaco Silva vai vencer as próximas eleições (sendo apenas dúbio quando, se na primeira, se na segunda voltas). No final do seu post, JPP inscreve na análise a dimensão mediática. É aqui que são focadas as consequências da “sobreexposição” e é aqui que ganha corpo a mais frágil de todas as ilações (baseada, creio eu, na recente entrevista à TV-I). O argumento de JPP é o seguinte: a pouca “plasticidade” de Cavaco seria dissuadida pelo facto de o candidato “falar de coisas sérias”. A tensão e a ausência do ‘must’ televisivo das blagues seriam assim superadas pela seriedade, como se esta se contrapusesse, por omissão, a tudo o resto que vai sendo enunciado e declarado na pré-campanha. À moralidade e alguma altivez do argumento (hipercodificando a seriedade, de modo monossémico, no meio de uma amálgama de ruído) corresponderá, por fim, o tom “declarativo”. E é este tom, afinal, que se constitui como substância vital da análise de JPP e que encontraria as suas raízes na capacidade de o “professor” escapar à anedota e à mundanidade, como se, no fundo, emergisse, ele mesmo, de um limbo puro, único e porventura providencial. Devo dizer que é um certo moralismo subliminar que me afasta de Cavaco. E o mais curioso - e surpreendente - é que é este mesmo esteio, impregnado de um silencioso “dever-ser” de imaculada exclusividade, que acaba, curiosamente, por se espraiar na entusiasmada análise de JPP acerca das potencialidades reais do candidato Cavaco Silva.