Políticos e “merdiáticos”
(adenda questionadora ao amigo MacGuffin)
Não acredito num “masterplan” ou numa “cabala” santanista que envolva tudo e todos, como nunca acreditei numa cabala à Gomes da Silva ou à Ferro. A cabala é um diagrama de essência platónica e acho que almejamos e respiramos, hoje em dia, todos, outra geometria já mais arejada e pragmática.
Sei igualmente que uma sociedade aberta e democrática é, ela mesma, tacitamente, uma emanação das tensões entre todos os poderes. Desde aquele que encerra esta escrita singela até às decisões de Balsemão, de António Mexia ou do senhor Jerónimo Martins. Não há acto que não tenda à decisão e à procura tensa de uma verdade sempre transitória. Nem há agir livre que não se escude no que o possa adjuvar potencial e activamente. As regras estão cá para delimitar e regular o uso da liberdade e, portanto, para nos dizer que vivemos nela, para ela e através dela.
Agora, apesar de todas estas relativações, a verdade é que o governo Santana Lopes vive um pouco à deriva e à margem dos fenómenos reais como se eles caíssem, quais raros cometas, sobre as secretárias ministeriais. Foi assim com o recente affair do MNE (que no parlamento não soube explicar as diplomacias paralelas que tentaram descortinar na Europa casos similares ao de Marcelo), foi assim com a agenda da Ministra da Educação, foi assim com o gato com Arrábida de fora de Nobre Guedes, foi assim com os dissabores de Gomes da Silva (já Marcelo e a PT - de que os nossos impostos são parte do accionista principal - existiam há uns anitos nos respectivos figurinos).
Convenhamos que este desinspiradíssimo governo - a que tudo e “todos” reagem (J.P.P., A.B. ou V.P.V.) sem ser por cabala ou por comum e aristotélica “afecção da alma” - resolveu, ainda por cima, enveredar por um serviço de marketing verdadeiramente desastroso. Herda a redundância da edilidade lisboeta e reata o repentismo futebolístico do seu mentor: ora estimula uma ou outra conferência de imprensa à tarde, ora responde a factos menores de manhã e à noite. Com tal ruído, apressou-se ainda em infelicíssima “comunicação ao país” (o mau gosto igualou-se então ao ridículo cerimonial dos desgastados cem dias) onde sobrou apenas uma palavra: precisamente, o “ruído”.
Com um tal pano de fundo, com um tal contexto de actuação, com um tal aceno concertado e desassombrado, como podem os analistas e os comentadores ficar isentos de conjecturas relacionais onde a sombra do governo e a de outros poderes, mormente os tais "merdiáticos", se adjuvassem? Não é uma sociedade aberta o reflexo do agir livre de todos sob a forma de tensões e alianças, mesmo daquelas que escapam, aqui e ali, à lei (no sentido ético ou da própria prescrição cível)? Não é o poder da conjectura - ou da abdução - um dos modos de interpretar o que liga a indução isolada à verdade dedutiva (é esse, pelo menos, um ensinamento pragmático)? Não estimulará a situação criada pelos impactos do próprio governo Santana Lopes este tipo preciso de conjecturas de que os principais comentadores do país, da direita à esquerda, dão eco?
Não haverá nesse sintoma generalizado, ó amigo MacGuffin, alguma hipocrática verdade? Eu creio que talvez. Eu creio mesmo que talvez sim.
Entre a inocência de um poema da Florberla (Fez ontem 109 anos e onze meses que nasceu em Vila Viçosa) e o axioma de conjura inevitável vai uma imensa distância. Entre ambos os pólos, há muito espaço. Tanto quanto aparentam os sinais que o delimitam: e é aí que está, de facto, a questão. Saibamos, ao menos, dialogar com ela.