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sábado, 21 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata – 47


(Car Trip at 80 kilometers an hour, Jacques-Henri Lartigue,1913)

O culto da velocidade nasceu para que, um dia, se pudesse atingir a ilusão da instantaneidade. Se a fotografia condensa o espaço real e o coloca num mesmo alçado a condescender, ponto por ponto, com a superfície lisa da imagem, já o tempo implica linhas de fuga imaginárias que se subsumem e que, portanto, entram em ruptura com o vórtice temporal do quotidiano. A deformação é uma das metáforas mais utilizadas para significar esta ruptura, este corte, este desejo fáustico. Marcel L´Herbier utilizou-a no seu film d´art, L´Inhumaine, de forma exuberante. O futurismo remou sempre nesse mesmo sentido de extravase das formas para além seus limites ópticos aparentes. Mas o importante era atingir um grau em que o ponto de partida e o ponto de chegada fossem um só. O fundamental era atingir um grau em que o imediatismo do gesto se redimisse plenamente, apenas por atingir o fim último proposto, sem ter que experimentar a iniciação que a travessia, a viagem e a passagem pressupõem. Hoje sabemos que os mundos hiper-reais, baseados nos fluxos tecnológicos da rede, nos fornecem esses condimentos. Esperar (pelo paraíso, pela sociedade perfeita, por Godot ou por Penélope) deixou de ser um modo de significarmos a vida. Em vez dessa postura de miragem e, amiúde, de intolerância, o agora-aqui aparece cada vez mais como um novo patamar de compreensão, facto de que esta fotografia de Lartigue é ingénuo pressentimento.