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sexta-feira, 20 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata – 46


(Avenue du Bois de Boulogne, Paris, Jacques-Henri Lartigue,1911)

O movimento é aquilo que resulta do efeito criado pelas relações postas em jogo. De um momento para o outro, o espaço parece absorvido ou mesmo ocupado, porque, para além do que surge relacionado, as próprias relações estabelecidas acabam por se impor como um dado autónomo, não controlável e rigorosamente independente. O universo que na fotografia de Lartigue é posto em relação - o hábito, a mulher, o corpo, a destreza, a sinuosidade, a flexão, a trela, os cães, os carros, as sombras, a frescura do bosque - sugere um pathos que entreabre a paixão genuína, desassombrada e lúbrica ao limiar do efeito que a coloca, involuntariamente, em movimento, em interacção, ou em conotação indefinida. Mas uma relação, entre muitas outras, perdura diante deste cintilar já entreaberto: a textura do corpo que se antecipa a qualquer resultado, o cetim que balbucia emancipando-se ao rigor do plano, a voluptuosidade que segreda distinguindo-se do resto do universo. E é por isso que a mulher em movimento absorve o espaço que a fotografia irradia para fora de si; é por isso que o gáudio extravasa a esquadria e a nitidez da impressão; e é por isso que a protagonista desta saga menor quase abdica à mercê do desejo puro que instiga e propaga.