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quinta-feira, 19 de agosto de 2004

Ficcionalidades de prata – 43


(Wall Street, Paul Strand,1915)

O que faz uma fotografia? Além da sombra e da luz, traça um propósito, uma orientação, uma espécie de casa das casas, multifacetada, múltipla, aberta em leque, desfigurada, como se fosse, ao mesmo tempo, um mero receptáculo das silhuetas que vêm ao ser e um entreposto das existências que as usurpam e que delas provêm. Uma fotografia faz frente à letra, ao programa, ao enigma resolvido, à conjura controlada, ou ao labirinto binário que se esgota na divindade e no rebanho de mortais. Uma fotografia faz o seu caminho apagando-o, removendo o que parece limitá-la, divergindo na invisibilidade das silhuetas que perseguem sombras esguias e compridas, matinais. Paul Strand entendeu como poucos a natureza desta cascata de imagens que, numa única e episódica, como se fosse apenas vestígio, se realiza, se cumpre e se coisifica. Ao contrário do milagre, a fotografia muda permanentemente de estado. Quando a olhamos, quando a requeremos e quando a interpelamos: propósito aberto, tecido disseminado, rio inacabado pelo curso das margens que o acendem.