Orgulhosamente único
O espírito de gentlemanship tem assegurado, em todos os países europeus democraticamente maduros, uma base política alargada e um “mínimo ético” (expressão de Lobo Xavier) comuns que têm constituído afinal o alicerce para a resolução legal desse problema real que é a interrupção voluntária da gravidez (independentemente das complexas e variadas matizes postas em jogo). Só em Portugal é que a questão dilacera extremos, mistura planos, disputa a razoabilidade e liberta calores e tentações insuportáveis. Portugal é, pode causticamente dizer-se, um país muito orgulhoso na sua identidade. E se isso é coisa que muitos têm hipocritamente medo de perder (coisa que me preocupa tanto como a forma da uva na sua relação com as videiras divinas), também creio que a pseudo-compostura extremista do país profundo está mais de acordo com a moleza das convicções, com a brandura do centro e com o unanimismo de fachada do que com putativos arrufos heróicos, com amuos patrióticos e com insolúveis intransigências de princípio. A verdade é que a grande sombra esconde e até favorece os fogachos aqui e ali. O que ninguém quer, no fundo, é resolver seja o que for. O que ninguém quer, no fundo, é encarar os factos sejam eles quais forem. O que ninguém tem, no fundo, é patavina de gentlemanship. Portugal anda a discutir este tema há décadas, alimentando uma fúria bizantina, hesitante, mesquinha e herdeira híbrida de miguelismo ostracista e de jacobinismo angélico. Os portugueses gostam de ver o rosto de Cavaco Silva em silêncio e adoram depois auscultar-lhe os lábios a abrirem-se com alguma secura e a pronunciarem, finalmente, a brevíssima palavra “tabu”. De bradar os céus!