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sexta-feira, 18 de julho de 2008

Volta ao Mundo - 23

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Há dez meses, a Clara Piçarra e o Miguel Sacramento partiram para uma volta ao mundo que o Miniscente tem acompanhado... passo a passo. Embora já se encontrem em África, hoje a crónica chega-nos ainda da Indonésia e fala-nos, entre outras coisas, das consequências de um recente e terrível maremoto:
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"Indonésia – Bali e Sumatra (Pulau Nias)"
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"Há alturas em que ficamos quase sem nada. Não porque perdemos, ou desistimos, ou deixámos de agarrar. Ficamos quase sem nada. Porque vimos. Olho para longe e sinto a onda como se fosse minha. Nos pés. No peito. Na incerteza. Sou água ou sol? Sou vento, azul, quase transparente. Se pudesse chorava. Ou gritava. Ou sorria. Se pudesse. Mas deixei de ser formado por pedaços. Transformei-me em tudo. Desço a onda, sinto, faço parte. Não há nada fora de mim. As vozes são minhas, as cores, o sal, o momento curvo de força pura. Sei que não sou eu. Eu agarro apenas um sonho. Com as duas mãos, debaixo do braço… como se deve agarrar um sonho: com a certeza de que um dia vai ser inteiro.
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Há alturas em que ficamos quase sem nada. Não porque perdemos, ou desistimos, ou deixámos de agarrar. Ficamos quase sem nada. Porque vimos. O caminho é duro. Não percebo porquê. O verde prolonga-se numa floresta cerrada que só desiste no mar. A estrada vence com calma cada curva. Recebem-nos com fruta e vontade. Por que sinto ser tão difícil? É quando estamos sentados num chão que serve conversa fácil que olho pela primeira vez. Não para o verde, não para o mar… para o vazio. Todas as casas estão vazias. Não há mesas, ou cadeiras, ou quadros. Há apenas vazio fechado entre paredes e tectos. Nias foi destruída por uma onda gigante que vimos na televisão. Nos anos seguintes dois tremores de terra resumiram a destruição. Lentamente, as casas vão crescendo como as pessoas que ali vivem. Num vazio envolvido por pele fina. Mas que guarda uma esperança que não sabia possível.
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Os desequilíbrios não são a perda da vertical. São os espaços vazios que se criam quando não há justiça. Temos culpa. Porque sabemos que existem."
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Fotografia: Miguel Sacramento