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sábado, 8 de março de 2008

Episódios e Meteoros - 74

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(crónica publicada, desde quinta-feira, no Expresso Online)
(ver também no meu blogue de crónicas)
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A fábula da educação em Portugal
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O Tatraodon Nigroviridis, ou peixe-bola, é o animal que tem o genoma mais parecido com o genoma da espécie humana. Eu já desconfiava, há muito tempo, do excesso de simpatia deste nosso antepassado comum.
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Não sei se navega em águas profundas, nem sei se trabalha no ministério da educação ou se tem amigos na Fenprof (imagino que faz uma perninha em cada lado). Nem sei se a sua forma esférica o empurrará para o compromisso (imagino-o a cotejar fichas de avaliação para professores), ou se o seu imenso lombo faz dele um emplastro que prefere o sorriso para as câmaras à acção (sem dúvida nenhuma, o seu jogo estratégico).
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Estou certo de que a vida humana começou nas praias portuguesas e que o Tatraodon Nigroviridis, ou peixe-bola, terá sido o primeiro dos nossos seres. Muito antes de Viriato. Uma corrente ilustríssima do pensamento ocidental, a filosofia portuguesa, já o havia sinalizado (e, porventura, em carta a Pascoaes, já Unamuno corroborara o notável facto).
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O animal foi o primeiro a indignar-se com os pescadores que lhe tocavam nos direitos adquiridos. Em vez do jogo da isca e do engodo, lançaram-lhe rede e a navegação tornou-se, desde logo, complicada. Raul Brandão estava a milhas deste descontentamento: lenços e mais lenços brancos em águas costeiras, pois o Tatraodon Nigroviridis não gosta realmente que lhe mexam nas rotinas, nos hábitos e no habitat.
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O Tatraodon Nigroviridis sempre adorou as suas pequenas hortinhas no fundo do mar, recheadas com algas e mastros de antigos barcos que, há séculos, descobriam continentes e cofres épicos a saber a pimenta.
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O Tatraodon Nigroviridis é bicho de caprichos e gosta que um rectângulo seja um rectângulo, que uma ministra seja uma ministra e que um professor seja um professor. E adora sobretudo a “desmassificação” profetizada por Toffler: no fundo, a nova vaga do antiquíssimo “pobretes mas alegretes”. Dito por outras palavras: “Deixem-nos em paz e deixem-se de invenções”.
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Nada melhor, pois, do que navegar orgulhosamente e a sós, à imagem do cardume nostálgico e brando que dá pelo nome de Tatraodon Nigroviridis. O país profundo tudo tem feito para honrar estas suas raízes ancestrais. E continua a fazê-lo. Com poucas dissonâncias. No agitado telejornal das oito, ou na caótica 5 de Outubro. Tanto faz. Uns e outros adorariam estar a milhas deste filme.