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segunda-feira, 3 de março de 2008

Episódios e Meteoros - 73

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No passado Verão, vinha amenamente a guiar entre Bilbao e Santander, quando avistei uma aprazível e imensa baía. Desci, procurei hotel e por aí fiquei. Há repentes assim. A praia tinha o paroquial nome de Laredo e, apesar da latitude, proporcionou-me um inesquecível mergulho. Depois das tapas – essas efusões breves, sedutoras à primeira vista, mas depois nauseantes –, sofri um ataque de nostalgia. Uma nostalgia sem objecto, visceral. Imprópria para quem não é António Nobre, ou para quem atravessa uma crise de vocação à moda de Carla Bruni.
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Decidi então ir passear na marginal e acabei por ter uma das mais brilhantes ideias dos últimos anos: se tinha deixado de fumar a 7 de Março de 1997 – ainda sei de cor o dia! –, por que não poderia agora voltar a fumar, tentando, de uma vez por todas, separar o mais puro prazer… do hábito? Fui a uma loja de tabaco e comprei uma caixa de cigarrilhas. Das melhores. A voz gutural do lojista cantábrico doutrinou a minha ávida sede de pecado. E fê-lo com determinação à Rick Blaine.
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A verdade, confesso, é que tentei aspirar o fumo até ao fundo da alma, como se dele irradiasse o aroma ideal de todo o universo. Uma espécie de mel bíblico embebido na suavidade dos poros de Shakira. Mas não. Por mais que tentasse, a impressão era sempre a mesma: uma secura extrema, petrificada, como se fosse carvão vegetal ou um simples naco de pele mumificada de Nefertiti. Fiquei desalentado. Senti-me como quem perde a última esperança de falar a sós com a Oprah, ou até mesmo com o Papa. Fiquei entregue a uma rara atrapalhação, sem sentido. E foi aí que me lembrei do conto de Calvino.
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Rezava assim: “Quando tomava banho numa praia ocorreu à Srª. Isotta Barbarino um desagradável contratempo. Nadava ela ao largo, quando, parecendo-lhe altura de regressar, e já se dirigia para a margem, se apercebeu de que um facto irremediável acontecera. Perdera o fato de banho”*. Assim me senti eu, também: transtornado pela perdição. Bem tentei voltar a fumar, o que só me ficava bem no meio do actual panorama unanimista e correcto. Mas falhei. Nunca mais voltaria a sentir o inacessível prazer do tabaco. Tal como a Srª. Isotta Barbarino nunca mais voltaria a encontrar o seu bikini preferido. Melhor para ela, mas sinceramente: muito, muito pior para mim.
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*Italo Calvino, Os Amores difíceis, Arcádia, Lisboa, 1968, p. 27.
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(crónica publicada, desde quinta-feira, no Expresso Online)
(ver também no meu
blogue de crónicas)