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quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Episódios e Meteoros - 63

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(crónica publicada, desde quinta-feira passada, no Expresso Online; ver também no meu blogue de crónicas)
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Ferro Rodrigues, Camarate e o nevoeiro português
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A justiça terrena, pelos vistos, também é democrática: há muitas, variadas e de todos os preços. É por isso que, uns dias antes do Natal, Ferro Rodrigues desceu do seu posto diplomático à simplicidade campestre de Monsanto para depor em tribunal. Ao tentar explicar a razão do seu envolvimento no Processo Casa Pia, Ferro Rodrigues disse que tudo se ficou a dever ao facto de ter sido líder de uma oposição considerada "demasiado à esquerda". Por outro lado, para o ex-secretário-geral do PS, a "cabala" podia também ser explicada com base numa pura manobra de diversão (tendo com base a "instrumentalização" de alguém "preso" ou que "pudesse vir a ser preso").
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Ambas as conjecturas parecem algo viciadas. Vício de interpretação, é claro. A primeira explicação, mais defensiva, refugia-se nas referências direita-esquerda, quando todos sabemos que a complexidade do mundo actual requer bem mais do que o simplismo esquemático e binário dessas referências. A segunda explicação imagina o combate político à imagem das grandes ficções de espionagem, recheadas de álibis tenebrosos e amputações políticas perpetradas em laboratório (uma espécie de super-Watergate português com Nixons imaculados).
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Perguntar-se-á: quem ousaria tramar uma conjura monumental a Ferro Rodrigues e a Paulo Pedroso por encarnarem, um e outro, um perigosíssimo desvio de esquerda nos idos de 2002/3? A ser verdade tal paradoxo, o que teria acontecido a Sampaio, Soares, Alegre e Roseta, de então para cá? Por outro lado, quem teria capacidade, no Portugal de hoje, para "instrumentalizar" tudo e todos – com excepção para o agora intérprete dos factos – nas barbas de uma presumível e delicada operação judicial?
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O facto é que, após cinco anos de enigma, Ferro Rodrigues desceu do seu posto diplomático a Monsanto para adensar ainda mais o enigma. E não é menos verdade que uma aura de desconfiança domina a espessa névoa portuguesa, de que o caso Casa Pia é um dos mais recentes sinais. A névoa de Ferro Rodrigues, como a do acidente de Camarate, é uma névoa de natureza completamente diferente da que muitos desenharam à volta do D. Sebastião regressado, invicto e salvador. É uma névoa que apenas encobre e não promete, que apenas cobre e não dá qualquer esperança.
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Passa o tempo e a desconfiança permanece. Não tenhamos dúvidas disso. A voz corrente decidiu há muito dar vida ao triste rei do final de quinhentos. A voz corrente decidiu há muito reconhecer dedo de assassino na queda de avião que vitimou Sá Carneiro e Amaro da Costa. Fica por saber o que a voz corrente irá ditar no caso Casa Pia. O mito acabará sempre por falar mais alto. Sabe-se que assim é, quando o tempo passa e a desconfiança permanece. Independentemente da inocência e do que venham a decidir os tribunais, Ferro Rodrigues terá que arranjar melhores conjecturas. A "esquerda-direita" e as chamadas "manobras de diversão" não são particularmente felizes. Convenhamos.