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quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Pré-publicações - 53

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Rubem Fonseca, A Grande Arte, Campo das Letras, Porto, 2007 (Setembro)
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Pré-publicação:
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"Não era uma ferramenta como as outras. Era feita de material de qualidade superior e o aprendizado do seu ofício muito mais longo e difícil.
Para não falar no uso que dela fazia seu portador. Ele conhecia todas as técnicas do utensílio, era capaz de executar as manobras mais difíceis – a in-quartata, a passata sotto – com inigualável habilidade, mas usava-o para escrever a letra P, apenas isso, escrever a letra P no rosto de algumas mulheres.
A mulher estava deitada ao seu lado falando banalidades. Ele olhou à sua volta. As paredes eram pintadas de verde, como certos hospitais. Havia um toca-discos, coberto por uma capa empoeirada de acrílico, ao lado de uma televisão portátil. Uma lata de talco ordinário estava sobre a cama e ele tocou-a com o pé descalço.
Não adiantava imaginar por que fazia aquilo. Era uma perda de tempo especular por que determinadas coisas dão prazer. O P não tinha ressonâncias literárias, nem ele se considerava um psicótico puritano querendo esconjurar a congénita corrupção feminina.
O facto de as mulheres serem prostitutas não tinha qualquer influência em sua resolução. Apenas não queria correr riscos, por isso escolhia indivíduos que a sociedade considerava descartáveis. Mas, ao olhar o rosto da mulher curvada sobre seu corpo nu, admitiu que talvez estivesse mentindo para si mesmo. Era mesmo uma mulher inexpressiva, não faria realmente falta. O prazer que podia propiciar era mínimo, fácil de achar, de imaginar.
A mulher passou a língua no seu peito, detendo-se no mamilo. Sentindo o ingurgitamento no baixo-ventre, afastou-a e levantou-se, postando-se em pé ao lado da cama. A mulher ajoelhou-se à sua frente, dúctil, funcional.
Ele agarrou-a pelo pescoço e jogou-a de costas ao chão, acrescentando à força das mãos o peso de seu corpo. A mulher abriu a boca, tentando respirar, emitiu um grunhido roufenho, os olhos arregalados fixados no rosto dele, os braços levantados, os dedos trémulos, procurando um apoio que a salvasse de afundar e sucumbir na escuridão que rapidamente a engolfava.
Tudo durou poucos segundos.
Dentro da bainha de couro estava o objecto brilhante, que ele segurou, colocando-se en garde, os músculos do corpo tensos – uma recreação que se permitiu, naquele momento de euforia e volúpia. Mas logo mudou a empunhadura do instrumento e sentou-se ao lado da mulher no chão. Cuidadosamente traçou no rosto dela a letra P, que no alfabeto dos antigos semitas significa “boca”.
Apanhou suas roupas sobre uma cadeira e vestiu-se alerta, expedito, apesar de sua mente não ter parado de imaginar e lembrar. Quando terminou inspeccionou o quarto e o banheiro. Verificou pelo visor da porta que o corredor estava vazio. Ao sair limpou com um lenço o botão da campainha fazendo-a soar, a única falha, todavia irrelevante, em seu cauteloso procedimento.
Não haveria impressões digitais, testemunhas, quaisquer indícios que o identificassem. Apenas sua caligrafia.
Não tomei conhecimento dos factos de maneira ordenada. Os Cadernos de anotações de Lima Prado chegaram-me às mãos muito antes das minhas conversas com Míriam, que me ajudaram a entender as relações de Zakkai, o Nariz de Ferro, com Camilo Fuentes. Para reconstituir o que se passou no apartamento de Roberto Mitry, além de minhas deduções e induções, baseei-me nas informações de Monteiro (o nome verdadeiro não era esse), o vendedor de armamento bélico."
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Actualização das editoras que integram o projecto de pré-publicações do Miniscente: A Esfera das Letras, Antígona, Ariadne, Bizâncio, Campo das Letras, Colibri, Cotovia, Gradiva, Guerra e Paz, Livro do Dia, Magna Editora, Magnólia, Mareantes, Publicações Europa-América, Quasi, Presença, Sextante Editora e Vercial.