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sábado, 7 de julho de 2007

Blogues e Meteoros - 38

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O frisson épico
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(crónica publicada esta semana no Expresso Online)
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Por trás do cenário da presidência portuguesa da UE, o país anda encantado com as Sete Maravilhas (do mundo, do país, tanto faz!). A discussão é frívola, atravessa sem grande ruído regionalista – felizmente – o nosso breviário de costumes e irá acabar naquilo que, hoje em dia, se designa por “grande evento”. Pouca importa a designação e o teor do “grande evento”, pois o que nele conta é a comunicação pela comunicação, o impacto da simulação mundializada e o aparecimento em rede de algumas figuras (ou fantasmas?), cujo êxtase reside nessa aparição e não, claro, no que proferirem, cantarem ou ajuizarem.
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Mas não se pense que as designações são coisas vãs. Na maior parte das vezes, ao designar, quer o plebeu quer o nobre significam muito para além do que desejariam. Por exemplo, quando Durão Barros invocou solenemente "Bartolomeu Dias" e "Vasco da Gama", no Dia Um da presidência portuguesa (para significar a Alemanha e Portugal), o artifício disse bem mais a seu respeito (e da Comissão) do que acerca do Tratado do Éden. O cariz heróico, mobilizador e entusiástico, subjacente às “Descobertas” de Durão Barroso (e omnipresente no vocabulário oficial), contrastou com um óbvio alheamento do público.
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Apesar da propensão geral para os “grandes eventos”, é curioso como o capricho metafórico dos Descobrimentos nos persegue. E nos mascara. Devo dizer que, com os meus dez ou onze anos, já brincava à Infante D. Henrique nas poças da chuva. Com quinze, deitava caravelas no Rio Nabão e sentia um frisson épico que não desonrava as lendas domésticas sobre o Mundo Português, os êxtases pessoanos ou a eloquência em verso de Garrett sobre Camões. Estávamos todos já em rede: eu, as “Lendas e Narrativas” e ainda um delirante reitor do então Liceu Nacional de Évora que dava animadas aulas sobre o “Quinto Império”. Um dia, como sabemos, veio a XVIIª precedendo o augurado paraíso da Expo-98. “Foi assim”, parafraseando Zita Seabra: as alucinações comemorativas e as metáforas do nosso destino sempre adoraram voltar ao local do crime: à gesta dos Descobrimentos (Ai, Ai, “Sete Maravilhas”!). Como um ratinho a pedalar numa redoma de plástico. Como um passarinho a debicar na ameixa (mais do que) madura. Como um insípido episódio, às esquerdas ou às direitas, sempre a rimar consigo mesmo. Sempre.