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sexta-feira, 25 de maio de 2007

Escavações Contemporâneas - 16


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O sorriso do arquivo no tempo da rede
(hoje: Paulo Tunhas)
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DEZ ANOS DEPOIS*
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Não é preciso ir muito longe. Aqui há dez anos atrás, a pequena e média intelectualidade, que tinha gostado das côdeas de poder pós-revolucionário, adorava Khomeiny, admirava Mao e a China comunista e achava horrível e disparatado que pelas almas daquelas gentes vivendo sob o Império russo passasse algo como um vago desejo de democracia. Mais: aqui há dez anos atrás a pequena e média intelectualidade achava Sá-Carneiro e Freitas do Amaral liminarmente fascistas e tinha pelo Dr. Mário Soares — como costuma ainda ter, pensando que não — um íntimo e profundo desprezo, muito parecido com aquele que as pessoas infelizes têm pelas felizes. Sob este ponto de vista é difícil de esquecer um artigo absolutamente fascinante do Prof. Eduardo Lourenço, publicado por volta de 1977, suponho, e recolhido num livro intitulado «O Complexo de Marx» (título, diga-se de passagem, eminentemente equívoco atendendo ao seu conteúdo), em que se dizia — é citado de cor porque há coisas inesquecíveis — que Mário Soares não poderia nunca ser o Salvador Allende português, não por falta de coragem física e moral, mas por falta de convicção socialista. Esta pequena maravilha, que merece ser lida e relida para ilustração própria, era dita naquele tom superior, que o General Eanes divulgou na medida das suas possibilidades, de quem não duvida das suas convicções e lhes atribui o estatuto de predicado moral inefável. Uma esmerada colaboradora de uma revista recentemente publicada, e dirigida pelo Dr. Eduardo Lourenço, é de resto, a Dra. Edite Estrela. Ficam feitas as contas e fechado o círculo da convicção socialista.
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O que é sumamente misterioso nisto tudo, como de costume, é o tempo e o que se passa no tempo. A maioria absoluta das almas que juravam, esperançosas, por Khomeiny; para quem a China era uma espécie de Disneylândia revolucionária, paraíso terreal onde ambicionavam poder espraiar o seu indomável altruísmo; que achavam que as formas representativas da democracia burguesa eram uma solução pérfida e indecorosa para os polacos — como é que essas almas se dão com as imagens dos milhares e milhares e milhares de mortos do regime de Khomeiny e os episódios recentes com ele relacionados?; com os cinco mil mortos presumíveis em dia e meio de ocupação militar da praça Tiananmen; com os resultados das recentes eleições na Polónia, em que, o Solidariedade alcançou a totalidade dos lugares do Senado, exprimindo a vontade do povo através — deve-se sublinhar — do processo clássico das democracias «burguesas» e representativas? Como é que essas almas se dão com isso?
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A resposta, tão inacreditável que deve certamente revelar um grande segredo escondido nas profundidades do espírito humano, é: surpreendentemente bem. A boa-consciência dos pequenos e médios intelectuais de esquerda permanece intacta através dos tempos, sem possível ameaça de intranquilidade. Está tudo na linha da plácida descoberta de Vital Moreira sobre as dificuldades globais do marxismo-leninismo. Afinal estava tudo errado, mas a descoberta de um erro que é uma espécie de ilustração teórica do sangue de milhões — um erro a que Octavio Paz pôde um dia dar o nome de pecado — é vivida fora de qualquer tragédia e sem qualquer espécie de sensação de comprometimento pessoal.
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Porque é que isto é assim? Eliminada a hipótese improvável de tal se dever a um extraordinário poder civilizacional do Prof. Cavaco Silva, que teria baptizado os portugueses na água da democracia, limpando as suas almas de qualquer mácula, resta uma outra solução, não particularmente agradável mas substancialmente mais verosímil: é a de que os pequenos e médios intelectuais de esquerda não pensam, e, portanto, não podem viver como tragédia humana os seus pensamentos. Não estão ligados a eles e não se sentem por eles culpados. Os adeptos do comprometimento são do mais absoluto descomprometimento por relação às suas ideias.
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Isto manifesta-se nas mais comezinhas coisas. No outro dia, na televisão, Francisco Louçã, que a esquerda agraciou com uma misteriosa fama de inteligência e criatividade, inquirido sobre que Europa se deveria opor à Europa da actual CEE — quer dizer: respondendo à única pergunta realmente interessante que o jornalista (excepcionalmente benévolo, de resto) lhe poderia pôr — limitou-se a algumas tiradas de uma espantosa indigência sobre a solidariedade com os pacifistas das duas Alemanhas e com uns movimentos quaisquer de uns rapazes espanhóis. Por inacreditável que pareça, foi tudo. E este tudo, infelizmente, é simbólico da esquerda.
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*O Primeiro de Janeiro, 7 de Junho de 1989
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Segundas - João Pereira Coutinho
Terças - Fernando Ilharco
Quartas - Viriato Soromenho Marques
Quintas - Bragança de Miranda
Sextas - Paulo Tunhas
Sábados – António Quadros (António M. Ferro, Org.)