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sexta-feira, 18 de maio de 2007

Escavações Contemporâneas - 11


LC
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O sorriso do arquivo no tempo da rede
(hoje: Paulo Tunhas)
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Usbek tinha razão*
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Em 1721, Montesquieu escrevia nas Lettres persanes: «O grande erro que cometem os jornalistas é o de falarem apenas dos livros novos; como se a verdade alguma vez fosse nova. Parece-me que, até que um homem tenha lido todos os livros antigos, não tem nenhuma razão para lhes preferir os novos.
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«Mas, quando eles se impõem a lei de não falar senão das obras ainda quentes da forja, impõem-se uma outra, que é a de serem muito enfadonhos. Não se preocupam em criticar os livros de que fazem extractos, mesmo tendo alguma razão para isso; e, com efeito, qual é o homem suficientemente ousado para se criar dez ou doze inimigos todos os meses?»
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Estas palavras são, como se diz, actuais, pelo menos no que diz respeito ao nosso excelente país: eis um caso em que a verdade não é, efectivamente, nova. Tirando algumas criaturas excepcionais, que fazem sinceros esforços para perceberem porque é que gostam ou porque é que não gostam daquilo de que falam, a maioria declina qualquer interesse nesse género de desporto. Não é certamente por modéstia relativamente às limitações do seu gosto; não é, porque aquilo aparece sempre num tom definitivo que não deixa margem para dúvidas. É só puramente genial, pronto, e a inteligência do reconhecimento do génio é opinião bastante. De resto, a inteligência mede-se pela rapidez no reconhecimento dos génios, e há gente que bate extraordinários recordes. Na década passada, por exemplo, houve a caça aos génios alemães e austríacos: tudo gente jovem mas suficientemente madura para permitir o prazer de ser reconhecida. Disseram-se deles coisas que nunca antes foram ditas de Fielding, Sterne ou Dickens. Foi uma boa década.
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O problema, no fundo, é ecológico. Devia haver um limite, fixado por algum organismo competente, para o número de génios que cada jornalista literário poderia caçar por ano. Abrir-se-ia uma excepção para os génios existentes, digamos, até ao século dezoito (inclusive). Para estes, a autorização seria ilimitada. Mas para os recentes, as proibições seriam severas, com vista a protegê-los da ameaça da extinção. Cada jornalista literário teria direito a reconhecer apenas dois génios por ano, no caso de esses génios oscilarem entre os trinta e os cinquenta anos e terem publicado menos de cinco livros. A tolerância aumentaria (prudentemente) com a idade e o número de livros publicados. Assim, um génio de oitenta anos com aproximadamente quinze livros estaria praticamente ao alcance de todos os jornalistas literários médios. Claro que é preciso pensar em excepções. Os Drs. Prado Coelho e Mega Ferreira teriam direito a mais génios do que os outros. Compreende-se: são velhos caçadores e ensinaram muito. Um pouco arbitrariamente, talvez, seria de atribuir ao primeiro, por ano, um total de cinco génios frescos (quer dizer com apenas um livro, publicado menos de uma semana antes de ser referido); o segundo contaria também com o bónus de dois génios frescos. De qualquer modo, é um assunto a estudar.
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Mas os problemas do jornalismo literário em Portugal não se resolvem apenas com medidas ecológicas. Porque a falta de respeito não se limita à caça ao génio e ao dever do enfado a que se referia Montesquieu. Há uma falta de respeito mais recente que provém de uma atitude aparentemente oposta, carinhosamente auto-baptizada de irreverência. O exercício da crítica, nesta perspectiva, consiste em procurar por todos os processos demonstrar que o que se critica é infinitamente menos interessante do que quem critica. No meu tempo, chamava-se pura e simplesmente má-educação.
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E depois há a obrigação de ter graça, que é uma coisa muito misteriosa. À falta de respeito enfadonha opõe-se a falta de respeito pretensamente engraçada, e gasta-se imenso esforço nisso. Tanto num caso como no outro não se corre o risco verdadeiro de gostar ou de desgostar; e não se tem, certamente, graça. Porque a graça é, como toda a gente sabe, gratuita. E não sua. A crítica irreverente sua como o diabo. Tal com a crítica enfadonha, foge de todas as maneiras dessa coisa elementar de buscar razões e de as explicar. O medo de ser burro é a mais exemplar manifestação da incompreensão da arte e a graça não é filha da labuta.manifestação da incompreensão da arte e a graça não é filha da labuta. ee
Mas o que preocupava realmente Usbek, o persa que assinava em Paris a carta escrita por Montesquieu, não eram de facto as características do jornalismo literário parisiense do pincípio do século dezoito. O que o preocupava eram as notícias que os eunucos lhe enviavam sobre as ameaças da revolta no seu serralho. Guardadas as devidas proporções, eis uma verdade que também não é nova."
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*O Primeiro de Janeiro, 16 de Maio de 1990
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Segundas - João Pereira Coutinho
Terças - Fernando Ilharco
Quartas - Viriato Soromenho Marques
Quintas - Bragança de Miranda
Sextas - Paulo Tunhas
Sábados - António Quadros (org. António M. Ferro)