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quinta-feira, 22 de março de 2007

Os macaquinhos do sótão português

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Crónica publicada no Expresso Online
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Tenho recebido mails (até de amigos) horrorizados com a vitória de Salazar num programa de televisão da RTP. Há nesses mails vozes aterradas, desconsoladas e com um tal grau de revolta que a coisa me faz realmente pensar.
Para dizer a verdade, eu até achava piada que ganhasse o Salazar – ou o Cunhal – para ver como é que essa parvoíce da “auto-estima” dos portugueses entrava subitamente em estado de parafuso.
Nunca pensei que Portugal continuasse ainda hoje com medo do escuro, dividido entre canções primaveris de embalar e a terna penumbra do “Pai” ausente e apavorante. Nem sei, em boa verdade, passe o mel da provocação, o que merecerá uma maior gargalhada: se o actual “Reality Show” da TV-i, se o Salazar – ou o Cunhal, tanto faz – nesse entretenimento fugaz da RTP.
Poderá dizer-se com alguma severidade que vai ser uma “vergonha” falar-se “lá fora” da vitória de Salazar. Mas o medo de tais vergonhas parece-me um tanto ingénuo, já que o realce de uma eventual referência da CNN ao concurso televisivo português estaria ao nível daquilo que a Al-Jazíra terá dito sobre os sentimentos difusos de uma jovem e bela indiana no Big Brother de um conhecido canal inglês de televisão.
Toda a encenação deste concurso – e de tantos outros onde vamos vivendo cada vez mais – é de tal modo tosca e pacóvia (veja-se a solenidade de Maria Elisa e a produção almofadada no Palácio de Queluz) que qualquer incauto revê, com a maior das facilidades, a nudez e a idiotice do rei sem coroa. Por outras palavras ainda: toda esta agitação sem norte se resume a um permanente jogo de imagens que gera sempre novas imagens, numa voragem de ilusões que tem um único destino: a vertigem diária do esquecimento.
À excepção dos galináceos, o hipnotismo é para quem o quer. Já era assim no tempo da lanterna mágica.
Eu preferiria uma boa "Boémia" – perdoe-se-me a publicidade – a preocupar-me com essa coisa da RTP.
Já basta quando o realmente imponderável nos bate à porta.