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sábado, 31 de março de 2007

O Simplex e o exclusivo das Bond Girls

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No Expresso online desde hoje
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Um dos aspectos que porventura mais irá mudar em Portugal, nos próximos anos, é a transformação da nossa burocracia secular num brevíssimo e descontraído suspiro. Daqui a uns anos, António Barreto poderá incluir este feito num novo “Retrato Social” do país e articulá-lo-á decerto com a palavra “rede” (na estreia da actual série, a palavra “internet” foi apenas referida por uma vez). Mas o cenário pode falhar, se a inércia das secretarias continuar a boicotar o novíssimo “homem novo” lusitano que nenhuma ideologia, felizmente, se encarregou de programar. Nada melhor do que um exemplo para me explicar.
Um dia destes tive necessidade de uma “Certidão de Teor” e deparei-me com duas hipóteses para a obter: ou ia aos habituais balcões da Conservatória ou recorria ao “Simplex”. Ponderei, decidi e foi no dia 8 de Março (a escolha não aspirou a conotações aventurosas) que acabei por me sentar ao computador e explorei, pela primeira vez na vida, o chamado “Portal do Cidadão”.
Em menos de cinco minutos, consegui introduzir os dados relativos a um pequeníssimo terreno situado num local recôndito do país e paguei com cartão de crédito quer a Certidão, quer os portes do correio. No entanto, ao contrário do que acontece com uma Caderneta Predial (que se pode imprimir em casa e na hora), este tipo de Certidão só pode ser emitido pela Conservatória onde o terreno está registado, o que significa que o pedido feito através da rede acaba, neste caso, por ser tratado pelos serviços locais. Mau augúrio, pensei.
Com efeito, ao fim de dez dias de espera, vi-me forçado a enviar um mail aos serviços do “Portal do Cidadão”. A resposta foi personalizada e instantânea: “O seu pedido já foi despachado há alguns dias, cabendo agora à Conservatória o envio da Certidão pelo correio”. Passadas duas semanas sobre o Dia Internacional da Mulher, esgotados os meus prazos e a paciência, decidi ir directamente à Conservatória. Quando a senhora ouviu o meu nome, pressenti que o nervoso lhe pairava no olhar. Ouvia-a então a soletrar: “Conheço esse processo, conheço esse processo”.
Levantou-se, dirigiu-se a uma secretária vazia e trouxe até mim a tão desejada Certidão. E concluiu: “Já devia ter sido enviada, é verdade, mas… a colega que o devia ter feito… adoeceu”.
Moral da história: qualquer “brevíssimo e descontraído suspiro” continua a ser um exclusivo das Bond Girls. O que já não é nada mau.