O medo das antecipações ficcionais
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Há dias, numa entrevista, vi-me a dizer – gosto da visualidade da expressão – que “a literatura é a bricolage de uma loucura saudável”. Nesse trecho da entrevista, reflectia sobre a antecipação ficcional do meu último romance, E Deus Pegou-me Pela Cintura, que eu e o meu editor (Manuel Fonseca da Guerra & Paz) decidimos levar a cabo desde Janeiro passado.
A operação foi simples: criou-se um jornalista virtual (Olavo Aragão) que, no seu blogue (Freelance), deu como real um facto do enredo do romance (o rapto no Líbano de uma jornalista, a protagonista Rute Monteiro). O alarme gerado pela fractura entre a realidade vivida e a realidade do romance fez o resto. Foi fascinante, depois, seguir e perceber o que se passou – não é possível aqui dar conta dos episódios –, sobretudo se pensarmos no mundo em que vivemos.
A verdade é que, nos tempos que correm, os Reality Shows são apenas uma pequeníssima parte da mistura entre ficção e a realidade que faz o nosso mundo. Aquilo que os teóricos da comunicação designam por “meta-ocorrência” mais não é do que a transformação nos media de ocorrências reais em autênticas efabulações que dão permanentemente a volta ao mundo. Ao fim e ao cabo, vivemos todos numa espécie de Vanilla Sky. O Leviatã comunicacional da actualidade (media, cibermundo, etc.) é herdeiro directo dos antigos mitos clássicos que habitavam, também eles, num limbo entre a ficção e o real.
Embora muita gente tenha compreendido a antecipação ficcional do meu romance, houve quem não aceitasse que a ficção literária também tem direito a misturar-se com a realidade e, portanto, a sair do espaço fechado entre capa e contracapa. No fundo, continuam a entender a literatura como uma coisa sacralizada e intocável e entendem o que designam por marketing como um bicho monstruoso que tem oitenta chifres e oito escamas bicudas no peito. Os meios que descendem do que já foram os “intelectuais” têm alergia a palavras como “publicidade” e “marketing”: faz parte de um genoma com história que os próprios raramente interrogam.
É natural que possam existir confluências entre uma antecipação ficcional e a organização de uma campanha de marketing. Mas são coisas muito diversas. Reato um exemplo que dei há poucos dias: é como confundir a publicidade da Lavazza ou do Martini com arte conceptual e confesse-se que, vistas de fora e de modo descomplexado, as realidades visuais aproximam-se imenso. É um jogo de aparências, tal como é todo o jogo de imagens em que globalmente vivemos.
E é neste jogo em que irremediavelmente a ficção e a realidade andam de mãos dadas que hoje em dia todos acabamos por compreender a “bricolage saudável” do dia a dia. Ou seja, quando em Janeiro se discutia o rapto da jornalista Rute Monteiro, já se estava a discutir a realidade de alguns capítulos do meu romance. Da mesma forma que, quando se discutem hoje os melhores portugueses de sempre, já se estão sobretudo a discutir as narrativas do nosso quotidiano. Uma forma de “loucura” legitimada? Não, isso é coisa só para a literatura!
Há dias, numa entrevista, vi-me a dizer – gosto da visualidade da expressão – que “a literatura é a bricolage de uma loucura saudável”. Nesse trecho da entrevista, reflectia sobre a antecipação ficcional do meu último romance, E Deus Pegou-me Pela Cintura, que eu e o meu editor (Manuel Fonseca da Guerra & Paz) decidimos levar a cabo desde Janeiro passado.
A operação foi simples: criou-se um jornalista virtual (Olavo Aragão) que, no seu blogue (Freelance), deu como real um facto do enredo do romance (o rapto no Líbano de uma jornalista, a protagonista Rute Monteiro). O alarme gerado pela fractura entre a realidade vivida e a realidade do romance fez o resto. Foi fascinante, depois, seguir e perceber o que se passou – não é possível aqui dar conta dos episódios –, sobretudo se pensarmos no mundo em que vivemos.
A verdade é que, nos tempos que correm, os Reality Shows são apenas uma pequeníssima parte da mistura entre ficção e a realidade que faz o nosso mundo. Aquilo que os teóricos da comunicação designam por “meta-ocorrência” mais não é do que a transformação nos media de ocorrências reais em autênticas efabulações que dão permanentemente a volta ao mundo. Ao fim e ao cabo, vivemos todos numa espécie de Vanilla Sky. O Leviatã comunicacional da actualidade (media, cibermundo, etc.) é herdeiro directo dos antigos mitos clássicos que habitavam, também eles, num limbo entre a ficção e o real.
Embora muita gente tenha compreendido a antecipação ficcional do meu romance, houve quem não aceitasse que a ficção literária também tem direito a misturar-se com a realidade e, portanto, a sair do espaço fechado entre capa e contracapa. No fundo, continuam a entender a literatura como uma coisa sacralizada e intocável e entendem o que designam por marketing como um bicho monstruoso que tem oitenta chifres e oito escamas bicudas no peito. Os meios que descendem do que já foram os “intelectuais” têm alergia a palavras como “publicidade” e “marketing”: faz parte de um genoma com história que os próprios raramente interrogam.
É natural que possam existir confluências entre uma antecipação ficcional e a organização de uma campanha de marketing. Mas são coisas muito diversas. Reato um exemplo que dei há poucos dias: é como confundir a publicidade da Lavazza ou do Martini com arte conceptual e confesse-se que, vistas de fora e de modo descomplexado, as realidades visuais aproximam-se imenso. É um jogo de aparências, tal como é todo o jogo de imagens em que globalmente vivemos.
E é neste jogo em que irremediavelmente a ficção e a realidade andam de mãos dadas que hoje em dia todos acabamos por compreender a “bricolage saudável” do dia a dia. Ou seja, quando em Janeiro se discutia o rapto da jornalista Rute Monteiro, já se estava a discutir a realidade de alguns capítulos do meu romance. Da mesma forma que, quando se discutem hoje os melhores portugueses de sempre, já se estão sobretudo a discutir as narrativas do nosso quotidiano. Uma forma de “loucura” legitimada? Não, isso é coisa só para a literatura!