e
Uma nova forma de salvação
(desde ontem no Expresso Online)
eO que haverá de comum entre António Variações, Jim Morison, Sá Carneiro e John Kennedy?
Pelo menos, quatro factos: uma morte prematura, a mitificação pop ou austera, a indagação sem fim e sobretudo a revisitação ficcional do que “poderia ter acontecido” se, cada um a seu modo, tivessem continuado vivos.
A expiação dos desencantos diários aumenta a dimensão destas efígies heróicas e transforma-as periodicamente em tema para a insaciada degustação dos media (o caso de Diana é disso exemplar). Este vaivém que obriga a gravar, de tempos a tempos, antigas músicas de Variações e dos Doors, ou a produzir reportagens e filmes sobre a vida de Sá Carneiro e de JFK, corresponde a um messianismo muito particular.
Não o que herdamos há muito de David, dos Papas angélicos medievais, do Alexandre-o-Grande da Sibila Tiburtina, do Padre António Vieira, ou até daquele que o Islão revê na singular figura de um Mahdi.
Não, este messianismo dos nossos dias nasce para logo morrer e morre para logo nascer. Faz tanto parte do ruído da comunicação como da sua contaminação mais desejada. É um messianismo que parece querer reduplicar a inspiração e a expiração de um Deus sem nome que seria preciso, ainda assim, venerar. No fundo, o que se evoca ao evocar as imagens de António Variações, Jim Morison, Sá Carneiro ou John Kennedy mais não é do que a nossa perda sempre recuperada. Com efeito, a visão de colapso que é própria do nosso tempo (a pós-história, a pós-indústria, a pós-mecânica, etc.) obriga-nos, a todo o momento, a sacralizar e a superar uma permanente sensação de perda.
Os simuladores em rede dão-nos a ver este mesmo jogo, embora sem a necessidade de grandes prantos, angústias e exorcismos. Ao imediatismo com que ontem se reivindicava a salvação (fosse às revelações divinas, ou às suratas de Lenine sempre por cumprir) corresponde hoje a instantaneidade das novas tecnologias. Diante de um ecrã recheado de pixels, o ser humano revê-se subitamente como um ser salvo e plenamente ressarcido da sensação de perda que pareceria envolvê-lo.
As novas tecnologias funcionam assim como uma absolvição (mais ou menos anestesiada) de todas as ansiedades. A simulação de co-presença e de partilha e empatia quase infinitas, tão viva e autêntica nos blogues, é um exemplo maior de uma espécie de transcendência que se funde com o imediato. É por isso que o blogger se sente a viver com os outros, como se fizesse parte deles e os transformasse, todos os dias, nos seus sempre vivos Morisons, Variações, JFKs ou Sá Carneiros.
Como se o paraíso fosse uma gratidão a sós que não se diz.
Pelo menos, quatro factos: uma morte prematura, a mitificação pop ou austera, a indagação sem fim e sobretudo a revisitação ficcional do que “poderia ter acontecido” se, cada um a seu modo, tivessem continuado vivos.
A expiação dos desencantos diários aumenta a dimensão destas efígies heróicas e transforma-as periodicamente em tema para a insaciada degustação dos media (o caso de Diana é disso exemplar). Este vaivém que obriga a gravar, de tempos a tempos, antigas músicas de Variações e dos Doors, ou a produzir reportagens e filmes sobre a vida de Sá Carneiro e de JFK, corresponde a um messianismo muito particular.
Não o que herdamos há muito de David, dos Papas angélicos medievais, do Alexandre-o-Grande da Sibila Tiburtina, do Padre António Vieira, ou até daquele que o Islão revê na singular figura de um Mahdi.
Não, este messianismo dos nossos dias nasce para logo morrer e morre para logo nascer. Faz tanto parte do ruído da comunicação como da sua contaminação mais desejada. É um messianismo que parece querer reduplicar a inspiração e a expiração de um Deus sem nome que seria preciso, ainda assim, venerar. No fundo, o que se evoca ao evocar as imagens de António Variações, Jim Morison, Sá Carneiro ou John Kennedy mais não é do que a nossa perda sempre recuperada. Com efeito, a visão de colapso que é própria do nosso tempo (a pós-história, a pós-indústria, a pós-mecânica, etc.) obriga-nos, a todo o momento, a sacralizar e a superar uma permanente sensação de perda.
Os simuladores em rede dão-nos a ver este mesmo jogo, embora sem a necessidade de grandes prantos, angústias e exorcismos. Ao imediatismo com que ontem se reivindicava a salvação (fosse às revelações divinas, ou às suratas de Lenine sempre por cumprir) corresponde hoje a instantaneidade das novas tecnologias. Diante de um ecrã recheado de pixels, o ser humano revê-se subitamente como um ser salvo e plenamente ressarcido da sensação de perda que pareceria envolvê-lo.
As novas tecnologias funcionam assim como uma absolvição (mais ou menos anestesiada) de todas as ansiedades. A simulação de co-presença e de partilha e empatia quase infinitas, tão viva e autêntica nos blogues, é um exemplo maior de uma espécie de transcendência que se funde com o imediato. É por isso que o blogger se sente a viver com os outros, como se fizesse parte deles e os transformasse, todos os dias, nos seus sempre vivos Morisons, Variações, JFKs ou Sá Carneiros.
Como se o paraíso fosse uma gratidão a sós que não se diz.