Jacques Rancière, O Ódio à Democracia, Mareantes Editora, Lisboa, Dezembro de 2006, pp. 164, P.V.P.: 14,80 €. Apresentação de Diogo Pires Aurélio.
e
Pré-publicação:
e
"Ponhamos as coisas na ordem. Que queremos dizer precisamente quando dizemos viver em democracia? Entendida de forma estrita, a democracia não é uma forma de estado. Está aquém e além dessas formas. Aquém, como o fundamento igualitário necessário e necessariamente esquecido do Estado oligárquico. Além, como a actividade pública que contraria a tendência de qualquer Estado a açambarcar a esfera comum e a despolitizar. Todo o Estado é oligárquico. O teórico da oposição entre democracia e totalitarismo admite de boa vontade: «Não se pode conceber um regime que, em algum sentido, não seja oligárquico.»[1] Mas a oligarquia dá mais ou menos lugar à democracia, ela é mais ou menos corroída pela sua actividade. Neste sentido, as formas constitucionais e as práticas dos governos oligárquicos podem dizer-se mais ou menos democráticos. A existência de um sistema representativo é tomada habitualmente como critério pertinente de democracia. Mas este sistema é ele próprio um compromisso instável, uma resultante de forças contrárias. Tende para a democracia na medida em que se aproxima do poder de não importa quem. Deste ponto de vista, podem-se enumerar as regras definindo o mínimo que permite a um sistema representativo declarar-se democrático: mandatos eleitorais curtos, não acumuláveis, não renováveis; monopólio dos representantes sobre a elaboração das leis; interdição dos funcionários do Estado serem representantes do povo; redução ao mínimo das campanhas e das despesas de campanha e controlo da ingerência das potências económicas nos processos eleitorais. Tais regras não têm nada de extravagante e no passado, muitos pensadores ou legisladores, pouco dados ao amor imprudente pelo povo, examinaram-nos com atenção como meios de assegurar o equilíbrio dos poderes, de dissociar a representação da vontade geral da dos interesses particulares e evitar o que eles consideravam como o pior dos governos: o governo dos que amam o poder e são hábeis em apossar-se dele. Hoje, todavia, basta enumerá-los para suscitar a hilariedade. Justamente: o que designamos por democracia é um funcionamento estatal e governamental exactamente inverso: eternos eleitos, acumulando ou alternando funções municipais, regionais, legislativas ou ministeriais e agarrados à população pelo elo essencial da representação dos interesses locais; governos que fazem eles próprios as leis, representantes do povo saídos massivamente de uma escola de administração; ministros ou colaboradores de ministros recolocados em empresas públicas ou semi-públicas; partidos financiados pela fraude dos mercados públicos; homens de negócios que investem somas colossais em busca dum mandato eleitoral; patrões de impérios mediáticos privados apossando-se, através das suas funções públicas, do império dos medias públicos. Em resumo: a apropriação da coisa públicafunçrvrallossais na busca s mercados ppr e evitar o que eles consideravam como o pior dos governos: o governo dos qupor uma por uma sólida aliança da oligarquia estatal com a oligarquia económica. Compreende-se que os depreciadores do «individualismo democrático» não tenham nada a censurar a este sistema de predação da coisa e do bem públicos. De facto, estas formas de sobreconsumo dos empregos públicos não relevam a democracia. Os males de que sofrem as nossas «democracias» são principalmente os males ligados ao insaciável apetite dos oligarcas."
"Ponhamos as coisas na ordem. Que queremos dizer precisamente quando dizemos viver em democracia? Entendida de forma estrita, a democracia não é uma forma de estado. Está aquém e além dessas formas. Aquém, como o fundamento igualitário necessário e necessariamente esquecido do Estado oligárquico. Além, como a actividade pública que contraria a tendência de qualquer Estado a açambarcar a esfera comum e a despolitizar. Todo o Estado é oligárquico. O teórico da oposição entre democracia e totalitarismo admite de boa vontade: «Não se pode conceber um regime que, em algum sentido, não seja oligárquico.»[1] Mas a oligarquia dá mais ou menos lugar à democracia, ela é mais ou menos corroída pela sua actividade. Neste sentido, as formas constitucionais e as práticas dos governos oligárquicos podem dizer-se mais ou menos democráticos. A existência de um sistema representativo é tomada habitualmente como critério pertinente de democracia. Mas este sistema é ele próprio um compromisso instável, uma resultante de forças contrárias. Tende para a democracia na medida em que se aproxima do poder de não importa quem. Deste ponto de vista, podem-se enumerar as regras definindo o mínimo que permite a um sistema representativo declarar-se democrático: mandatos eleitorais curtos, não acumuláveis, não renováveis; monopólio dos representantes sobre a elaboração das leis; interdição dos funcionários do Estado serem representantes do povo; redução ao mínimo das campanhas e das despesas de campanha e controlo da ingerência das potências económicas nos processos eleitorais. Tais regras não têm nada de extravagante e no passado, muitos pensadores ou legisladores, pouco dados ao amor imprudente pelo povo, examinaram-nos com atenção como meios de assegurar o equilíbrio dos poderes, de dissociar a representação da vontade geral da dos interesses particulares e evitar o que eles consideravam como o pior dos governos: o governo dos que amam o poder e são hábeis em apossar-se dele. Hoje, todavia, basta enumerá-los para suscitar a hilariedade. Justamente: o que designamos por democracia é um funcionamento estatal e governamental exactamente inverso: eternos eleitos, acumulando ou alternando funções municipais, regionais, legislativas ou ministeriais e agarrados à população pelo elo essencial da representação dos interesses locais; governos que fazem eles próprios as leis, representantes do povo saídos massivamente de uma escola de administração; ministros ou colaboradores de ministros recolocados em empresas públicas ou semi-públicas; partidos financiados pela fraude dos mercados públicos; homens de negócios que investem somas colossais em busca dum mandato eleitoral; patrões de impérios mediáticos privados apossando-se, através das suas funções públicas, do império dos medias públicos. Em resumo: a apropriação da coisa públicafunçrvrallossais na busca s mercados ppr e evitar o que eles consideravam como o pior dos governos: o governo dos qupor uma por uma sólida aliança da oligarquia estatal com a oligarquia económica. Compreende-se que os depreciadores do «individualismo democrático» não tenham nada a censurar a este sistema de predação da coisa e do bem públicos. De facto, estas formas de sobreconsumo dos empregos públicos não relevam a democracia. Os males de que sofrem as nossas «democracias» são principalmente os males ligados ao insaciável apetite dos oligarcas."
e
Actualização das editoras que integram o projecto de pré-publicações do Miniscente: A Esfera das Letras, Antígona, Ariadne, Bizâncio, Campo das Letras, Colibri, Guerra e Paz, Magna Editora, Mareantes, Publicações Europa-América, Quasi, Presença e Vercial.