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segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

Mini-entrevistas/Série II – 77


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O Miniscente tem estado a publicar uma série de entrevistas acerca da blogosfera e dos seus impactos na vida específica dos próprios entrevistados. Hoje o convidado é Lauro António que, para além de blogger ("Lauro António Apresenta", “Lauro Corado, Meu Pai”, “LA_Arquivo”, “Vá.Vá.diando”. “Só Nós Dois é que sabemos… a Password”, “Atlântico”, “Cine Eco”, “Famafest”), é também realizador, crítico, escritor, professor universitário e director de festivais.
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- O que é que lhe diz a palavra “blogosfera”?
A blogosfera, nesta altura, diz-me muito. Foi uma descoberta que considero de enorme importância. Falo a uma nível pessoal, mas também num plano colectivo. Os blogues vêm ocupar um lugar essencial na comunicação contemporânea. Numa altura em que a comunicação de massas tende à abstracção, ao impessoal, ao corte com a notícia pessoal, com o dado individual (que não tenha a ver com vedetas e falsas vedetas), o blogue vem ocupar esse espaço de comunhão de emoções, de convívio diário, de pequena anotação, de edição de textos sem “edição”, de paginação “pessoal”, de responsabilização, de assunção de uma identidade e de partilha. Os blogues re-descobrem alguns géneros literários caídos em desuso, ou mal afamados, e que regressam revitalizados, desde o diário às memórias, do registo de máximas aos “cadáveres exquis”, da literatura de viagens ao romance erótico, do picaresco ao “cordel”.
O pior da blogosfera é o anonimato traiçoeiro, incompetente, mesquinho, merdoso. Compreendo o anonimato de quem procura o diário intimista, de quem tenta criar aqui o divã de psiquiatra que não tem coragem de assumir, ou não quer assumir, no gabinete do médico. Mas quem se serve do anonimato para a calúnia e a maledicência, não tem desculpa. E tão culpado é quem calúnia como quem aceita a prática da calúnia sem a denunciar. Nisso, a blogosfera assemelha-se muito a uma “casa de meninas de mau porte”.
Mas globalmente a blogosfera é uma conquista admirável, que já mexe, mas vai mexer ainda mais, com todo o sistema de comunicação e informação. Os jornais vão sofrer com os blogues, ainda que de uma maneira inesperada. Os blogues não vêm substituir os jornais. Apenas os vêm por em cheque. Obrigá-los a mudar e muito, se querem sobreviver.
- Qual foi o acontecimento (nacional ou internacional) que mais intensamente seguiu apenas através de blogues?
Nenhum. Para informação rápida e imediata, a TV e a Rádio são imbatíveis. Para informação mais reflectida, os jornais continuam a ter a minha preferência. Os blogues são importantes para se ter uma ideia do pulsar do consciente colectivo, mas sobretudo para se ter um outro tipo de conhecimento, que para mim é essencial. Para saber o que A ou B pensa, para conhecer e sentir o mais profundo e secreto do ser humano que aqui aflora sem grandes controlos do politicamente correcto, do socialmente aceitável, do moralmente conveniente. Aqui pode ser-se “Maria” ou “Manel” e ter-se outras vidas, aquelas que sonhamos e não soubemos construir. Aqui o anonimato não fere, apenas ajuda a despoletar a “verdade” mais íntima.
- Qual foi o maior impacto que os blogues tiveram na sua vida pessoal?
Julgo que foi mesmo essa possibilidade de falar a escrever e ouvir a ler pessoas que não conhecia e passei a conhecer, algumas apaixonantes, outras detestáveis, todas elas humanas, frágeis na sua aparente força, por vezes enormes na sua simplicidade. Este é obviamente um jogo de escrever bem, mas sobretudo um jogo de escrever “verdade”. Aqui surpreende-se uma verdade que não vem em nenhum jornal, em nenhuma televisão. Uma verdade que ou não tem interesse para a tradicional comunicação social, ou se tem interesse é logo distorcida por interesses comerciais que transformam a “verdade mais íntima” em mercadoria de transaccionar. Logo, subvertem a “verdade”.
Eu adoro escrever. Na blogosfera encontrei um terreno ideal. Sou avesso a todo o tipo de controlo, “o controlo sou eu”. Depois acho muito saudável a colectivização de bens de consumo, esta discreta pirataria que por aqui campeia, eu roubo aquela imagem, tu citas este texto, faço a minha montagem, edito e ponho no ar. Mas detesto, como já disse, a pirataria da ignomínia sem rosto, anónima, cobarde. Essa prática vai acabar com a saudável blogosfera que hoje em dia conhecemos e de que usufruímos.
- Acredita que a blogosfera é uma forma de expressão editorialmente livre?
Acredito que sim, mas isso comporta riscos e perigos. Ou somos responsavelmente livres, ou, mais cedo ou mais tarde, seremos irresponsáveis controlados por um qualquer “big brother”. Neste, como em todos os países, há milhares de idiotas que julgam ter graça, quando afinal Luís Pacheco só há um. O Luís Pacheco tem uma cultura impar e um talento dos diabos que lhe permitem criticar como critica. Os Pachecozinhos sem cultura nem tento na testa deviam abster-se de ser malcriados e de fazer figura de tontos. Versejadores de meia tigela, que todos lêem como um acto de contrição, que se obrigam a engolir a gargalhada para não parecerem ingratos, não se podem dar ao luxo de arrotar postas de pescada, mesmo sob um anonimato, sobretudo sob anonimato. As invejas e os ciúmes dos medíocres não podem exercer-se na vingança da arruaça sem rosto, da denúncia sem provas, da má criação gratuita.
Eu sou um privilegiado, apenas apanhei até agora um desses piratas bloguistas, e dos mais mal cotados na “blo”, sem cotação junto de ninguém, que o atura como palhaço de serviço, mas sei de muitos casos desagradáveis, e já me tentarem envenenar contra segundos de forma ignóbil. A “blogosfera é como na vida” dizem por aí e é verdade. É preciso estar preparado para tudo. Até para a completa liberdade que hoje se respira. Que era muito bom que continuasse, se todos nos soubéssemos respeitar na diferença, sem atropelos. Se não, mais cedo ou mais tarde, aparece uma legislação férrea para pôr na ordem quem prevaricou e quem não o fez.
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Entrevistas anteriores: Série I - Carlos Zorrinho, Jorge Reis-Sá, Nuno Magalhães, José Luís Peixoto, Carlos Pinto Coelho, José Quintela, Reginaldo de Almeida, Filipa Abecassis, Pedro Baganha, Hans van Wetering, Milton Ribeiro, José Alexandre Ramos, Paulo Tunhas, António Nunes Pereira, Fernando Negrão, Emanuel Vitorino, António M. Ferro, Francisco Curate, Ivone Ferreira, Luís Graça, Manuel Pedro Ferreira, Maria Augusta Babo, Luís Carloto Marques, Eduardo Côrte-real, Lúcia Encarnação, Paulo José Miranda, João Nasi Pereira, Susana Silva Leite, Isabel Rodrigues, Carlos Vilarinho, Cris Passinato, Fernanda Barrocas, Helena Roque, Maria Gabriela Rocha, Onésimo Almeida, Patrícia Gomes da Silva, José Carlos Abrantes, Paulo Pandjiarjian, Marcelo Bonvicino, Maria João Baltazar, Jorge Palinhos, Susana Santos, Miguel Martins, Manuel Pinto e Jorge Mangas Peña. Série II – Eduardo Pitta, Paulo Querido, Carlos Leone, Paulo Gorjão, Bruno Alves, José Bragança de Miranda, João Pereira Coutinho, José Pimentel Teixeira, Rititi, Rui Semblano, Altino Torres, José Pedro Pereira, Bruno Sena Martins, Paulo Pinto Mascarenhas, Tiago Barbosa Ribeiro, Ana Cláudia Vicente, Daniel Oliveira, Leandro Gejfinbein, Isabel Goulão, Lutz Bruckelmann, Jorge Melícias, Carlos Albino, Rodrigo Adão da Fonseca, Tiago Mendes, Nuno Miguel Guedes, Miguel Vale de Almeida, Pedro Magalhães, Eduardo Nogueira Pinto, Teresa Castro (Tati) e Rogério Santos. Agenda desta semana (de segunda-feira, dia 11/12, ao sábado, dia 16/12): Lauro António, Isabela, Luis Mourão, bloggers do Escola de Lavores, Bernardo Pires de Lima e Pedro Fonseca.