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sábado, 2 de dezembro de 2006

Mini-entrevistas/Série II – 70


LC
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O Miniscente tem estado a publicar uma série de entrevistas acerca da blogosfera e dos seus impactos na vida específica dos próprios entrevistados. Hoje o convidado é Tiago Mendes, Economista, 28 anos.
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- O que é que lhe diz a palavra "blogosfera"?
Essencialmente, a blogosfera é um mundo virtual de exposição individual, que se divide entre a opinião e a confissão, consoante falemos de blogosfera política ou intimista. Economicamente, a blogosfera política – a que para aqui mais interessa – é um mercado de ideias onde as barreiras à entrada são poucas e as barreiras ao sucesso algumas, em consequência do poder de mercado dos blogues “incumbentes” (face aos “nascentes”) e da forma como os primeiros se “cartelizam”, através da promoção e publicidade de uns e não outros, da construção de plataformas comuns e de demais formas de cooperação – voluntária e inteiramente legítima –, visando aumentar a visibilidade e impacto de cada um no “mercado de opinião”. É um mundo onde o mérito e o talento são premiados de forma mais transparente e justa que noutros contextos, dada a forma aberta como as ideias circulam e são avaliadas por um público que é vasto e pouco controlável. Finalmente, é um mercado que funciona a uma velocidade vertiginosa e onde existe uma propensão a uma certa destruição criadora – quando não mesmo à pura reencarnação–, motivada pelo desejo de quebra de rotina do próprio blogger e de conquista de novos leitores. Sociologicamente, é um espaço onde o indivíduo procura “reconhecimento” dentro do “grupo” que lhe é mais próximo e da comunidade blogosférica em geral. A combatividade que a caracteriza dá azo a “lutas de egos” frequentes e a uma acentuada “tribalização”. Esta torna muitas leituras previsíveis e repetitivas, aumentando também significativamente o grau de desonestidade intelectual de certas discussões, nas quais a defesa dos seus se sobrepõe à defesa de ideias – enfim, a típica postura de “barricada”. Existirá ainda, por vezes, um desejo mais ou menos assumido de preencher algum vazio pessoal, característico da era em que vivemos. Historicamente, a blogosfera representa uma nova etapa para a comunicação social, sendo simultaneamente uma fonte de concorrência, informação e recrutamento para alguns meios tradicionais. Assume também, de forma espontânea – sem que ninguém a incumba de ou autorize para tal coisa –, um papel de “provedoria” sobre a comunicação social em geral (onde ela própria se inclui, naturalmente). Artisticamente, os blogues são um suporte privilegiado para a expressão pessoal escrita, sobretudo por ele ser acessível e por permitir facilmente o anonimato, o que se torna particularmente relevante no que concerne a blogosfera intimista, onde a “palavra” é, mais do que um meio de comunicação, uma forma de criação (mais ou menos conseguida, isso é outra questão). Psicanaliticamente, e um pouco ligado ao ponto anterior, a blogosfera representa uma possibilidade de escape, onde as incursões introspectivas, como sejam a criação de personagens (ex: “O meu Pipi”) e a desmultiplicação personalística, são assaz tentadoras. Pessoalmente – e voltando um pouco à pergunta –, o que a blogosfera “me” diz, ou melhor, o que me “disse”, enquanto blogger: um espaço único para a argumentação e confronto de ideias; uma forma de saborear e apurar a expressão escrita; um convite à experimentação e à introspecção. Como leitor, diz-me pouco hoje em dia, mas ainda leio as “gordas” de alguns blogues. Tento acompanhar com maior atenção o que escrevem, entre outros, Henrique Raposo, Eduardo Nogueira Pinto, Manuel Pinheiro, Luís Aguiar-Conraria, Fernando da Cruz Gabriel, Luís Pedro Coelho, com os quais frequentemente discordo, o que não diminui em nada a minha apreciação das qualidades substantiva e formal (e escrever bem é fundamental...) do que escrevem e do desprendimento com que o fazem.
- Qual foi o acontecimento (nacional ou internacional) que mais intensamente seguiu apenas através de blogues?
Na blogosfera só vivi “intensamente” os debates e polémicas em que me envolvi (e que foram muitos). “Atentamente”, destacaria as polémicas nos “blogues liberais” e/ou de “direita liberal” ligados às questões de costumes, como foi o caso da polémica que se gerou entre Pedro Mexia e outros bloggers a propósito da homofobia , mais ou menos encapotada, de alguns liberais. Não defendendo o tipo de liberalismo que é muito popular na dita “blogosfera liberal”, não estando minimamente próximo de certas atitudes direitistas e não tendo vagar para acompanhar os blogues de esquerda, sempre optei por ser um observador atento (e necessariamente crítico, dadas as discordâncias) do que se escreve em alguns blogues liberais, com os quais partilho a defesa da liberdade individual e de uma Política centrada no Indíviduo, discordando, contudo, do “paradigma” neles prevalecente e, consequentemente, das políticas conretas por eles geralmente advogadas. Como Mexia, dou prioridade à liberdade e à tolerância face às políticas legislativas, o que significa que não tenho, ao contrário da maioria dos bloggers liberais, uma visão exclusivamente negativa sobre as liberdades individuais. Neste contexto, digamos que sou um liberal “moderado”. Valorizo quer o indivíduo quer a tolerância, aquilo que Pessoa muito bem apelidou de “individualismo fratenitário”. Sendo essa diferença particularmente relevante na discussão de temas (ditos “fracturantes”) ligados à esfera social e aos costumes; e sendo o prazer que desses debates obtenho considerável, o destaque que faço torna-se inevitável.
- Qual foi o maior impacto que os blogues tiveram na sua vida pessoal?
Descobrir o prazer da escrita e ver nascer uma comunidade muito participativa de leitores-comentadores no meu blogue, que proporcionou discussões animadas, desafiantes e por regra muito cordatas, mas também informais (e isto não é uma descrição politicamente correcta, nem “deslumbrada”, como qualquer desses ’habitués’ seguramente corroborará).
- Acredita que a blogosfera é uma forma de expressão editorialmente livre?
Cada um dá ao seu blogue o sentido que quiser. A escolha dos temas a abordar e, talvez mais importante, a escolha dos temas a não abordar, é da liberdade e responsabilidade de cada um. Todos os blogues são, nesse sentido, igualmente respeitáveis – o que não significa que me suscitem igual admiração. Prezo muito o desprendimento das pessoas, o que me faz admirar aqueles que demonstram capacidade de afirmar publicamente – e em coerência, claro – coisas que contradizem a linha prevalecente do grupo a que pertencem e/ou com o qual mais se identificam. Trocando a expressão “editorialmente livre” pela expressão “livre”, diria que o grau médio de independência dos blogues, quando comparado ao de outras formas de comunicação, é assinalável. Sendo um objectivo natural de alguns bloggers a procura de estatuto, de protagonismo, de reconhecimento, é natural que a estratégia de aumento de visibilidade fira, de algum modo, esse tal desprendimento que aprecio. Há as “concessões” (e até “pedidos de desculpa”...) aos leitores, há os “favores contrariados” que se fazem a outros blogues, há os elogios hiperbolizados a blogues ou bloggers apenas porque rendem visitas – há tudo isso e muito mais, como todos sabemos. Mas todas essas concessões são de certo modo naturais e compreensíveis. Estranho seria se os que não querem e rejeitam o braco, as conclusões, a companhia, insistindo em não ir por aí, se transformassem, repentinamente, numa imensa maioria…
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Entrevistas anteriores: Série I - Carlos Zorrinho, Jorge Reis-Sá, Nuno Magalhães, José Luís Peixoto, Carlos Pinto Coelho, José Quintela, Reginaldo de Almeida, Filipa Abecassis, Pedro Baganha, Hans van Wetering, Milton Ribeiro, José Alexandre Ramos, Paulo Tunhas, António Nunes Pereira, Fernando Negrão, Emanuel Vitorino, António M. Ferro, Francisco Curate, Ivone Ferreira, Luís Graça, Manuel Pedro Ferreira, Maria Augusta Babo, Luís Carloto Marques, Eduardo Côrte-real, Lúcia Encarnação, Paulo José Miranda, João Nasi Pereira, Susana Silva Leite, Isabel Rodrigues, Carlos Vilarinho, Cris Passinato, Fernanda Barrocas, Helena Roque, Maria Gabriela Rocha, Onésimo Almeida, Patrícia Gomes da Silva, José Carlos Abrantes, Paulo Pandjiarjian, Marcelo Bonvicino, Maria João Baltazar, Jorge Palinhos, Susana Santos, Miguel Martins, Manuel Pinto e Jorge Mangas Peña. Série II – Eduardo Pitta, Paulo Querido, Carlos Leone, Paulo Gorjão, Bruno Alves, José Bragança de Miranda, João Pereira Coutinho, José Pimentel Teixeira, Rititi, Rui Semblano, Altino Torres, José Pedro Pereira, Bruno Sena Martins, Paulo Pinto Mascarenhas, Tiago Barbosa Ribeiro, Ana Cláudia Vicente, Daniel Oliveira, Leandro Gejfinbein, Isabel Goulão, Lutz Bruckelmann, Jorge Melícias, Carlos Albino, Rodrigo Adão da Fonseca e Tiago Mendes. Agenda da próxima semana (de 4/12 a 9/12): Nuno Miguel Guedes, Miguel Vale de Almeida, Pedro Magalhães, Eduardo Nogueira Pinto, Teresa Castro (Tati) e Rogério Santos.