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É ponto assente que a blogosfera se transformou num território de regresso à individuação, num tempo que parecia não mais permiti-lo (a noção de ‘autor’ vinha a perder-se ao longo do século passado – entre tendências formalistas e hermenêuticas - e ameaçava diluir-se na frieza das conectividades da rede). Esta afirmação da individualidade é um dos aspectos que mais tenho perseguido e analisado nesta série acerca do modo como a expressão se tem reinventado no novo medium.
No coração destas análises, há uma questão que inevitavelmente não deixará nunca de ser postulada: que tipo de subjectividade e de individuação é esta? Há um ponto de partida que parece ser óbvio para as mais variadas respostas: na actualidade, a circulação de todo o tipo de informação adquiriu uma autonomia tão radical na rede que se afastou de vez daquilo que seriam os seus personagens ‘naturais’ (empíricos, ficcionais, interactores, etc.).
Hoje em dia, já não se pode dizer que o agir humano e o agir autónomo das linguagens interajam de modo flexível e aberto no mundo. Será mais prudente afirmar-se que a autonomia das linguagens (essa miríade de entidades semióticas veiculadas em bits) está a criar um novo tipo de agir humano. De um sincretismo entre linguagem e acção estamos a passar para uma virtualização que pressupõe uma acção e uma linguagem paralelas ao vivido. De um lado, o corpo de carne e osso face ao computador, do outro lado um corpo em delírio virtualizante que se adapta e confunde com a voragem dos dados suscitados pela instantaneidade da rede.
Cuiosamente, quando a Declaração de Leiner e Cerf foi tornada pública, a meados dos anos setenta, o protocolo que viria a criar rede (TCP/IP) tal como hoje a entendemos, baseava-se já na lógica do ‘end-to-end’. Isto é – como este último escreveria mais tarde -: “A única coisa que queríamos era que os bits fossem transportados através das redes, apenas isso”. A compreensão telemática do corpo passaria a pressupor precisamente este facto: a informação, ao ganhar uma tal independência, deixaria definitivamente de se relacionar com os corpos que a agenciariam, com os dados (conteúdos) agenciados e com os próprios objectos a que se referiria. Um novo entendimento do mundo estava assim a emergir.
É neste quadro que a disponibilidade do novo caudal de informação (que circula no mundo paralelo ao mundo territorial) acaba por traduzir-se numa espécie de eficácia de excesso que se contrapõe à ideia clássica de individualidade, de subjectividade e de corpo. O que apreendemos, hoje em dia, é sempre um excerto, uma panóplia de fragmentos, um ‘zapping’ desse novo mundo de bits (i.e., um outro desígnio para o que aprendemos a entender por montagem). Daí que o novo corpo e a nova subjectividade – que se revelam nos blogues de modo primoroso – assumam as características de um corpo e de uma subjectividade protéticos: neles, a realidade é uma plasticina criada pela ‘re-arrumação’ permanente de bits. A maior angústia do blogger - e do que ele enuncia e apreende - decorre do desfasamento entre aquilo que decifra e o fluxo a que acede em cada momento: é nessa décalage que a virtualização da individualidade (a prótese) age e reage aos próprios contextos que cria.
Este novo interface entre a máquina hipertecnológica e a subjectividade acabará, mais cedo ou mais tarde, por reflectir-se na nossa própria arquitectura genética. Hoje em dia, já se formulam questões acerca desta transição entre uma sociabilidade massificada e a súbita sociabilidade das mediações hipertecnológicas. O pós-humano - um campo do saber muito recente – vive deste emaranhado onde estão envolvidas a neurobiologia, as teorias da rede e as ciências comunicacionais, semióticas e cognitivas.
Quem sabe se a individuação que se revelou subitamente na blogosfera não constituirá - ou não constitui já – um laboratório quase ideal para encontrar algumas das respostas para tais fascinantes perguntas?
No coração destas análises, há uma questão que inevitavelmente não deixará nunca de ser postulada: que tipo de subjectividade e de individuação é esta? Há um ponto de partida que parece ser óbvio para as mais variadas respostas: na actualidade, a circulação de todo o tipo de informação adquiriu uma autonomia tão radical na rede que se afastou de vez daquilo que seriam os seus personagens ‘naturais’ (empíricos, ficcionais, interactores, etc.).
Hoje em dia, já não se pode dizer que o agir humano e o agir autónomo das linguagens interajam de modo flexível e aberto no mundo. Será mais prudente afirmar-se que a autonomia das linguagens (essa miríade de entidades semióticas veiculadas em bits) está a criar um novo tipo de agir humano. De um sincretismo entre linguagem e acção estamos a passar para uma virtualização que pressupõe uma acção e uma linguagem paralelas ao vivido. De um lado, o corpo de carne e osso face ao computador, do outro lado um corpo em delírio virtualizante que se adapta e confunde com a voragem dos dados suscitados pela instantaneidade da rede.
Cuiosamente, quando a Declaração de Leiner e Cerf foi tornada pública, a meados dos anos setenta, o protocolo que viria a criar rede (TCP/IP) tal como hoje a entendemos, baseava-se já na lógica do ‘end-to-end’. Isto é – como este último escreveria mais tarde -: “A única coisa que queríamos era que os bits fossem transportados através das redes, apenas isso”. A compreensão telemática do corpo passaria a pressupor precisamente este facto: a informação, ao ganhar uma tal independência, deixaria definitivamente de se relacionar com os corpos que a agenciariam, com os dados (conteúdos) agenciados e com os próprios objectos a que se referiria. Um novo entendimento do mundo estava assim a emergir.
É neste quadro que a disponibilidade do novo caudal de informação (que circula no mundo paralelo ao mundo territorial) acaba por traduzir-se numa espécie de eficácia de excesso que se contrapõe à ideia clássica de individualidade, de subjectividade e de corpo. O que apreendemos, hoje em dia, é sempre um excerto, uma panóplia de fragmentos, um ‘zapping’ desse novo mundo de bits (i.e., um outro desígnio para o que aprendemos a entender por montagem). Daí que o novo corpo e a nova subjectividade – que se revelam nos blogues de modo primoroso – assumam as características de um corpo e de uma subjectividade protéticos: neles, a realidade é uma plasticina criada pela ‘re-arrumação’ permanente de bits. A maior angústia do blogger - e do que ele enuncia e apreende - decorre do desfasamento entre aquilo que decifra e o fluxo a que acede em cada momento: é nessa décalage que a virtualização da individualidade (a prótese) age e reage aos próprios contextos que cria.
Este novo interface entre a máquina hipertecnológica e a subjectividade acabará, mais cedo ou mais tarde, por reflectir-se na nossa própria arquitectura genética. Hoje em dia, já se formulam questões acerca desta transição entre uma sociabilidade massificada e a súbita sociabilidade das mediações hipertecnológicas. O pós-humano - um campo do saber muito recente – vive deste emaranhado onde estão envolvidas a neurobiologia, as teorias da rede e as ciências comunicacionais, semióticas e cognitivas.
Quem sabe se a individuação que se revelou subitamente na blogosfera não constituirá - ou não constitui já – um laboratório quase ideal para encontrar algumas das respostas para tais fascinantes perguntas?