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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

O cortejo e a confissão

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Bataille escreveu há muitos anos que "a literatura não era inocente" e que, "por se sentir culpada" desse facto, teria um dia "que o confessar".
As palavras foram mais ou menos estas. Existe uma forte corrente na Europa política (dir-se-ia uma triste "mainstream") que se está a comportar precisamente deste modo. Reagindo ao tom arrogante que é enunciado em países não democráticos e teocráticos - como o Irão -, uma abundante realpolitik europeia parece-se em tudo com aqueles condenados do antigo regime soviético que se diziam culpados pela força da tortura psicológica da polícia política.
Para quem anda a pensar na gripe das aves, na OPA da Sonae, ou nos problemas do Costinha com o Dínamo de Moscovo, nem parecerá que a actual situação política internacional se esteja a revestir de uma gravidade rara. Ninguém diria. Mas a lista de casos realmente extraordinários e até impensáveis do início deste ano de 2006 já não é, de facto, pequena. Repare-se:
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1 - O Irão está a ocupar claramente, dia a dia, um vazio regional que antes tinha como contrapeso o Iraque (Allistear Heath referia, há dias no The Spectator, que a presença ocidental se tinha transformado numa "mera guarnição");
2 - O Irão tornou-se num dos principais protagonistas das recentes vitórias eleitorais na Palestina (o Hamas sabe bem qual é o seu sponsor militar e político) e no próprio Iraque (onde o shiismo foi um óbvio vencedor);
3 - O Irão está já a fazer sentir directamente a sua pressão político-económica sobre os países do Golfo Pérsico e do Estreito de Ormuz (pondo em causa o próprio papel tradicional da Arábia Saudita);
4 - o Irão de Ahamadinejad e a Síria de Basahr al -Assad concertaram no mês passado apoios claros aos terroristas do Hezbollah;
5 - Numa manobra manipulada de pura diversão (e que o Ocidente temeu e levou a sério), o Irão recuperou um episódio mediático, legítimo e menor do início do Outono de 2005 para criar uma pseudo-onda de indignação política contra o Ocidente;
6 - Com objectivos evidentes, o Irão aproximou-se habilmente da China (com quem acabou de celebrar um contrato energético de mais de 200 biliões de dólares) e com a Rússia (a quem está neste momento a comprar os sofisticados mísseis TOR-M1);
7 - Numa postura sem quaisquer antecedentes nas últimas seis décadas, o Irão decidiu pôr em causa, activa, política e militantemente, o Holocausto e a cultura da morte nazi.
8 - O Irão passou a advogar, de modo frontal e aberto, a erradicação do estado de Israel.
9 - Como se tudo isto ainda não bastasse, os dirigentes religiosos do Irão anunciaram ontem que o seu programa nuclear já está em marcha (quando se sabe que as fontes energéticas do país são imensas, não é difícil perceber a finalidade e a funcionalidade deste programa).
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Por cá, com algumas excepções, o reatado mito de Chamberlain, o rito da auto-mutilação e a relativação rodopiante de valores que são afinal a razão de ser do Ocidente (tais como a liberdade) têm-se passeado num cortejo lamentável.
Tal como Bataille dizia, os nossos políticos tinham um dia que confessar o inconfessável. Muitos deles até terão esquecido que o nosso mundo é o mundo do pós 09/11.