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terça-feira, 17 de janeiro de 2006

O mundo da ”Cultura” - 2

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Na cidade onde nasci (Évora), no fim do século XIX, a iniciativa privada construiu um teatro cujas dimensões ainda hoje são desproporcionadas. A música sobrevivia então em bandas populares e nas aulas de piano que atravessavam as casas mais ricas. Eça viveu por aqui ainda jovem e escrevia de lés a lés todo um jornal (sem grande queda “cultural”) para ganhar a vida – não havia “subsídios” para a juventude com “potencialidades culturais” –, enquanto a fotografia era matéria de pose e as demais artes visuais eram pagas simbólica ou caritativamente sob peso da encomenda (porventura da igreja e de alguns privados). A acérrima defesa do “património” só apareceu mais tarde, com certo pioneirismo nesta terra que, nos anos vinte, já se vendia como “cidade museu”. Na época, o gosto era dominado pelo encanto das “ruínas fingidas”, muitas delas encenadas nos novos passeios públicos e oriundas dos conventos derrubados, um após outro, para abrir novas praças. O estado, por seu lado, não se entendia a si próprio como um guia das coisas da criação (mesmo das artes hoje consideradas “populares”) e muito menos entendia dever gerir aquilo que, hoje em dia, designamos por “actividade cultural”.
Esta história, que tem uma escala mínima, é, no entanto, uma história bem mais geral. Quer isto dizer que a incidência estatal no chamado “mundo da cultura” foi praticamente nula até aos anos trinta do século passado. O modo com que significamos e tematizamos a questão é, pois, ainda muito recente: nela cabem apenas umas três gerações. Sem retirar nada do que escrevi no ‘post’ de baixo – e sabendo que aquilo que designamos hoje por “política cultural” não tem mais do que um efectivo quarto de século de vida -, creio que o nosso autoproclamado “mundo da cultura” é muito frágil, carente, mas também arrogante e doutrinalmente paternalista, embora ressentidíssimo pelo facto de a actualidade hipertecnológica e mediática não lhe ligar praticamente nada. É devido a essa quase saída de cena que o nosso pequeno “mundo cultural” anseia como nunca, hoje em dia, ao dirigismo e ao protectorado estatal ilimitado.