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quarta-feira, 4 de janeiro de 2006

António Gancho

Era um bom poeta e vi-o por uma só vez no local onde morou durante quase trinta e nove anos: no Telhal. Nasceu em Évora, como José de Carvalho, Palolo, Bravo ou Lapa. Uma voz lenta, murmurante, irónica e longínqua:

“Devagar se vai ao longe”

Devagar se vai ao longe
se eu fosse monge.
Mas como não sou monge
devagar não vou ao longe
só monge.Mas como eu também
devagar não quero ir ao longe
por isso também não me fiz monge.
Mas como eu também
não quero que se sonhe
que se ponha em questão
a causa da razão
deste poema devagar se vai ao longe
cujo tema é sobre um monge
então por isso neste caso
já não omisso
faço que se diga com isso
amigo ou amiga
mais vale o prejuízo.
g
foto de Miguel Carvalhais
r
Foi publicado pela primeira vez por Herberto Helder na conhecida antologia que organizou há duas décadas, Edoi Lelia Doura (1985). O Ar da Manhã (1995), obra matricial do poeta, reúne poemas de vários períodos desde meados dos anos sessenta.
De facto, existem memórias fixas que habitam numa espécie de abismo involuntário. António Gancho, para mim, foi sempre uma delas. Enigmaticamente.