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domingo, 26 de junho de 2005

Fluidos poéticos

Tenho estado a escrever sobre a nova poesia portuguesa, sobretudo da última década e meia (tentando cruzá-la com o modo como reflecte as grandes mudanças da actualidade "pós pós pós", liberta da verticalidade do escháton dos "grandes códigos" clássicos e totalizantes e imersa que está na hipertecnologia instantanista e global). Tenho percorrido caminhos interessantes na análise do regresso ao presente e ao quotidiano desta poesia (é o fim do exílio utópico num recôndito futuro sacrificial), no seu pendor emotivo, imediatista e descritivo, no leque de realismos que repõe em cena, no modo como enuncia próteses de um corpo pós-ético, hedonista e atreito à mobilidade e, ainda, na empatia que estabelece com a expressão plástica contemporânea. Isto para além do revivalismo evocativo, das ciberpráticas hipertextuais e de uma liberdade específica que se manifesta na procura de uma autonomia ficcional própria e afastada de estafadas narrativas tutelares.
Há autores muitos bons que leio, releio e sublinho, sobretudo Vasco Gato, Carlos Bessa, Rui Pires Cabral, José Tolentino Mendonça, Paulo José Miranda, Pedro Mexia, Ana Luísa Amaral, Jorge Melícias, Luís Quintais e muitos, muitos outros. Os pequenos livros desta nova poesia sucedem-se: na Assírio, na Gótica, na Campo das Letras, na interessante Averno, na & etc, para além das antologias da Quasi e da Contador de Histórias.
Há muito que me afastei das perspectiva autista que condiciona um dado corpus literário a dialogar apenas com um metadiscurso especificamente literário. É isso que me afasta do círculo texto-crítico-texto e das muralhas herméticas das faculdades de letras (há muito que saí delas). A nossa contemporaneidade é feita de redes de redes, de interfaces, de discursos fragmentários que se cruzam, de simulações colocadas em jogo sem um esquematismo orgânico dado, de lances transversais entre saberes, expressões e olhares.
Esta nova perspectiva transversal e propensa à ubiquidade dos gestos - que tende a rever as meta-ocorrências em tempo tendencialmente real -não pode deixar de analisar a literatura e revê-la até de um modo que já não corresponderá à ideia que dela temos desde o pós-Iluminismo. O mundo está a mudar e é por isso que a respiração criativa há muito invadiu os objectos culturais do planeta, esteticizando-o, e, nesse movimento, fez também com que a arte deixasse de ser uma caixinha fechada para ser vista apenas em museus, ou na micro-circulação que liga a literatura à sua (legítima) transcendência crítica. Desse tipo de analogias estamos agora a passar para um universo de imagens soltas, livres, abertas ao brilho conotativo do interface.
É com este tipo de leitura de viés, diagonal, transversal e aberta às correntes de ar com as expressões contemporâneas (sobretudo a expressão plástica, o design, a instalação, a inscrição do corpo e as ciberescritas) que estou a confrontar a nova poesia portuguesa.
Para já, o destino deste trabalho irá ser um curso on-line. Mais tarde "avaliarei do seu grau de pureza", tendo em vista outros maneiras de partilhar conclusões, diálogos e pistas de entendimento.