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segunda-feira, 6 de junho de 2005

Espaço, tempo e altas sebes

Nos textos clássicos de cariz profético, uma voz, dotada de omnipresença e de pré-conhecimento absoluto, comunica a uma outra voz, associada a um nome geralmente simbólico e no quadro de um relato primeiro, um determinado saber. Esta competência, entre outras secundárias, manipula a expansão fundamental dos mundos possíveis do profético e acaba por inscrever, à superfície desse tipo de textos, uma topografia e uma espacialidade que parecem, a todo o momento, sobrepor-se àquilo que deveria ser a grande inquietação clássica do horizonte de expectativas do género: o cronograma da salvação. Ou seja: quando é que vai ter lugar o que Deus, por interposta voz, anuncia - ou terá, alguma vez, anunciado - à humanidade ?

No seu livro, Jules Verne - o espaço africano nas aventuras da travessia (Cosmos, Lisboa, 2000), Carlos J. F. Jorge refere que a "ordo naturalis" do texto é a temporalidade, enquanto, por paradoxo, o devir da literatura aspiraria sobretudo a uma reposição mimética (espacial) do mundo no literário que o representa. Para Verne, de acordo com a perspectiva de Carlos J. F. Jorge, o saber apareceria, homologicamente, como uma solução para tal paradoxo. Isto é, o espaço descritivo, nos textos de Verne, acabaria por superar a encenação ficcional do realismo-naturalismo, dominante na época, ao suprimir as fontes de relatos anteriores e, simultaneamente, ao recorrer a elas, sob a forma de factos que aparecem transpostos na voz (enunciadora) de um saber magistral e enciclopedicamente pré-adquirido. Esta montagem terá traduzido, por outras palavras, a divinização do positivismo e a passagem da lógica pré-moderna do ex-eventum para a lógica dos jogos intertextuais modernos.