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quinta-feira, 9 de junho de 2005

A descrição no seu melhor - 2

Juntavam-se diária e infalivelmente no «Martinho» três tipos extravagantes e de tão singular aspecto que me inspiraram a curiosidade, em mim rara, de saber quem eram. Sobretudo depois de os ouvir, uma vez que abancaram na minha vizinhança. Após várias referências a brilhantes façanhas donjuanescas, falaram do Fialho e percebi que colaboravam no trabalho acintoso da horda então amatilhada para o desprestigiar, pretendendo mudar-lhe o antigo ceptro literário em mísera cana verde.
Um deles tinha a cara completamente hirsuta de uma tal rigidez de coiro que lembrava um ouriço cacheiro com um par de óculos escanchados no lombo.
Ao outro bailavam-lhe os ossos na pele, que pendia e se ajuntava, sem consistência, para onde o corpo se inclinasse; no rosto franzia em pregas à roda do queixo, e nas mãos os próprios dedos pareciam metidos em tripa seca.
O terceiro, de estatura extremamente exígua, os olhos mortiços, as feições angulares, o crânio desconforme e abaulado, ameaçando com o seu peso desequilibrar toda a máquina corporal; de todos o mais desdenhoso, mas levantava-se precipitadamente da cadeira, apenas assomava à porta do «café» algum figurão de importância, e corria-lhe ao encontro para lhe apertar as mãos entre as suas, cujos dedos mordiam como turqueses de caranguejo.”


(M. Teixeira Gomes, Carnaval Literário, Portugália Editora, Lisboa, 1960 - 1ª edição: 1939)