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terça-feira, 31 de maio de 2005

O OLHO DO JAVALI
Folhetim em doze episódios
DÉCIMO SEGUNDO (E ÚLTIMO) EPISÓDIO
(A investida)

Era uma recta comprida e Maia acelerou. O lusco-fusco invadira o empedrado incerto, a vista das bermas e a névoa rasteira agora a espalhar-se para os lados do abismo. E foi a meio da recta que o vulto apareceu a correr, vindo da sebe escura e soturna. Veio a correr e parecia uma mancha desalinhada, em ziguezague, com um único olho gigante de cor vermelha e sanguínea, no meio do breu mais inconsolável. E diante do imenso animal, Maia teve que travar, travou, reduziu as mudanças, gritou e o embate foi terrível. Sob o lado esquerdo, o automóvel ficou encostado ao murete que dava para o precipício. Um pouco à frente, menino da sua serra, o animal jazia morto, de patas para o ar, uma verdadeira poça de sangue a escorrer sobre o traço contínuo do empedrado.
Com ímpeto invulgar, como se tivesse acordado da sonâmbula aventura, da imprevista escalada, da ilógica viagem, Maia saiu do carro a correr e foi verificar, quem sabe, se o javali morrera. Rui abriu a porta do carro, uns segundos depois, e ficou atordoado, adormecido, amparado no retrovisor direito. Foi nessa altura que o javali, num último fôlego, num derradeiro esgar, repôs a máscara da vida e investiu sobre Maia que estava ajoelhada por perto.

Rui nem teve tempo de reagir. O sangue, não se sabe se do Javali, de Maia, ou de que espantoso animal, gravou-se no vidro do carro. Um ruído seco e breve. O estilhaço da dor. Um instante, uma luz no meio da escuridão. Talvez a fotografia da iniciação. O esguicho terrível. E Rui, inerte e gelado, apeado de si. De tudo.
E o cheiro denso da balsamita a celebrar os ares da montanha. Um capricho inexplicável. E era como se o destino tivesse acordado com a viagem. E era como se o destino acordasse, de vez, para a única viagem.