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segunda-feira, 14 de março de 2005

UM AMOR CATALÃO
Folhetim à moda clássica
DÉCIMO SÉTIMO EPISÓDIO
(A confissão das estrelas)

E juntos batemos palmas aficcionadas, comemos churros, ouvimos galantarias, provámos cheiros de ervas doces e vimos mulheres com folhos de cores vivas e homens proféticos, com a tês morisca do Ebro, de calças justas e olho entreaberto para esta arte da devoração e da perdição que é a tourada.

Foi durante o encontro da véspera, no bar Avuello, que eu confessei a Albe que não podia ir a Girona. O que me dava muita pena. O carro, embora praticamente novo, tinha-se avariado. Eram as velas, era a bateria, nem eu sabia bem. Para mim, um motor era e continua a ser uma espécie de milagre, movido a explosões mais ou menos controladas, ao contrário da verdadeira deriva de explosões que se ateia e assola numa pega de touros. Para mim, um motor sempre tinha sido um espanto qualquer, alimentado ainda por cima a vapores de gasolina, ao contrário da autêntica errância de explosões que me estava a invadir o segredo da paixão, esse véu, ou essa realíssima pega, onde a voz se vai transformando num presságio de puro desejo, sem guia e sem leme.

E eu a falar do projecto do livro das tauromaquias lusas e nas velas do carro, diante da fanta naranja e das areias da praia e Albe já a sorrir, em sigilo completo. Quem havia de dizer ?

Albe voltou a sorrir, mas já não eram apenas as vocações; era também o corpo morno que dançava sem mexer, era a coluna a eriçar-se, eram as estrelas que se confessavam à volta dos calores do ilíaco, era o tremeluzir do cedro do Líbano que se agigantava em frente do bar como que a querer entrar no areal, era a certeza inefável de que nada iria ficar como dantes, era o estranho rosto de Edmundo desavindo com o tédio do mundo e adivinho de um coro de luas a vir, eram os pulsos a navegar pelo tampo da mesa, era o cotovelo a roçar no cotovelo durante um terno terramoto de segundos e, ali em frente, sempre a fanta naranja e o creme nívea, as sandálias de couro e a ilusória docilidade do Mediterrâneo, para além das areias finas de L´Escala.


(No próximo episódio, ir-se-á entender por que razão o destino aparece escrito onde menos se espera)

Continua
*
(publicação da versão Inglesa no blogue Minion)